Jurisprudência do Dia

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Tribunal da Relação de Évora
Acórdão
Processo nº: 1802/20.7GBABF.E1
9 de maio de 2023
PENAL

Crime de perseguição    >     Crime de fotografias ilícitas    >     Direito à imagem

I - Constituiu-se como autor material de um crime de perseguição, previsto e punido no artigo 154º-A do CP., o arguido que, durante um expressivo período de tempo – cerca de três meses – e movido pela obsessão em reatar a relação amorosa que anteriormente mantivera com a assistente, resolveu levar a cabo, de forma reiterada e persistente, várias condutas intimidatórias e perturbadoras do quotidiano daquela, aptas a determinarem limitações relevantes na sua vida quotidiana e uma desvaliosa perturbação no seu sossego diário.
II - O arguido procedeu à gravação audiovisual da assistente durante um período de lazer do casal, portanto, com o seu consentimento. Porém, nenhum consentimento obteve da mesma para proceder à publicação na rede social Facebook do vídeo que realizara, bem sabendo que, por tal via, alargaria incomensuravelmente o universo de pessoas a quem a imagem da assistente seria exposta, pelo que a sua conduta consubstancia uma utilização proibida e agravada, tendo o mesmo incorrido na prática do crime fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelos artigos 199º n.ºs 1 e 2, alínea b) e 197.º alínea b) do CP.

III - O facto de ter decidido deixar-se fotografar ou filmar numa praia pública no âmbito de uma relação privada não faz precludir o direito da pessoa fotografada ou filmada a decidir sobre a exposição pública da sua imagem; são momentos diferentes, nos quais são exercidos direitos autónomos legalmente protegidos, cuja violação assume relevância penal: por um lado, o direito a decidir registar a sua imagem para memória futura num local público; por outro, o direito a decidir sobre a exposição pública de tal registo de imagem.

IV - Os agressores do direito à imagem e à privacidade em geral não são as novas tecnologias, entendidas como entidades abstratas e personificadas, mas sim os que as utilizam indevidamente, delas se servindo para levar a cabo condutas ilícitas e lesivas de tais direitos.

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Tribunal da Relação de Coimbra
Acórdão
Processo nº: 982/22.1T8SRE-A.C1
14 de março de 2023
CÍVEL

Apoio judiciário    >     Substituição de patrono    >     Interrupção do prazo processual em curso    >     Acesso ao direito e aos tribunais

1. - No âmbito do regime do apoio judiciário, concedida a nomeação de patrono, o subsequente pedido de substituição do patrono nomeado (formulado pela parte beneficiária) não determina a interrupção de prazo processual que se encontre em curso, diversamente do que ocorre em caso de pedido de escusa do patrocínio (deduzido pelo patrono, por entender não dispor de condições para o exercício do cargo/função).

2. - É que, não obstante o pedido de substituição, o patrono nomeado permanece no cargo/função, com os inerentes deveres, até que haja decisão que determine a sua substituição, altura em que a sua cessação na função coincide com o investimento/nomeação do novo patrono.

3. - Como a parte/beneficiário não deixa de ter patrono enquanto o prazo corre, posto o patrono originário somente cessar a função com a nomeação do patrono de substituição, não resulta comprometido o direito de acesso aos tribunais e de defesa na ação judicial, nem o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo e equitativo (cfr. art.º 20.º da Constituição), visto que não há hiato no patrocínio decorrente do apoio judiciário.

4. - A solução legal da interrupção do prazo processual em curso por efeito do pedido de escusa do patrocínio não é aplicável à figura da substituição do patrono (art.º 32.º da LAJ), nem por via de interpretação extensiva, nem de aplicação analógica.

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Tribunal da Relação de Coimbra
Acórdão
Processo nº: 669/18.0T9GRD.C1
12 de abril de 2023
PENAL

    >     Estrutura acusatória do processo penal    >     Alteração não substancial dos factos    >     Livre convicção    >     Crime de perseguição    >     Assédio laboral

I – Da estruturação legal do processo penal segundo o modelo acusatório, muito especificamente do princípio da acusação e da tutela do direito de defesa do arguido, decorre para o tribunal de julgamento a sua vinculação temática seja à acusação do Ministério Público ou à do assistente, (se o procedimento depender de acusação particular), se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, seja ao despacho de pronúncia se esta tiver sido requerida.

II – A alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

III – A ratio legis para a imposição de comunicar a alteração não substancial de factos ao arguido prende-se com garantir o princípio do acusatório e os direitos de defesa, evitando que seja surpreendido pela condenação por factos não constantes da acusação ou da pronúncia.

IV – Só perante o caso concreto se pode aferir se a estratégia de defesa sai prejudicada pela não comunicação da alteração, uma vez que esta apenas tem lugar se tiver «relevo para a decisão da causa».

V – Os factos alegados no requerimento de indemnização civil, se provados, apenas relevam para o pedido de indemnização, não servem para agravar a responsabilidade criminal, pelo que não têm que ser comunicados ao abrigo do artigo 358.º do Código de Processo Penal.

VI – Na impugnação ampla da matéria de facto exige-se ao recorrente que «imponha» uma outra convicção e para isso é imperativo que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, não apenas o relativo do «possível», sim o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.

VII – As menções exigidas pelo artigo 412.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Penal, não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

VIII – O crime de perseguição, como crime de mera atividade, não pressupõe uma lesão efectiva, um resultado, mas sim uma série de comportamentos que, por si e no contexto envolvente, visam lesar a liberdade de outrem.

IX – A conduta típica do crime de perseguição consiste em reiteradamente perseguir ou assediar outra pessoa, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, apelando-se à objectividade do homem médio para aferir se a conduta em causa é adequada a produzir a lesão, invocando-se, ainda, a individualidade das circunstâncias concretas que norteiam o ilícito, mormente as personalidades de agressor e vítima e o relacionamento entre ambos.

X – O injustificado e progressivo esvaziamento de funções laborais pelo superior hierárquico, de forma reiterada e prolongada no tempo, sabendo que intimidava, diminuía, humilhava, segregava profissionalmente, molestava a dignidade pessoal e a saúde psíquica do trabalhador, causando-lhe assim medo e inquietação, integra o crime de perseguição, previsto no artigo n.º 154º-A do Código Penal.

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