Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2025:6753/23.0T8PRT-A.P2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
Por apenso à execução em que é, actualmente, exequente A..., S.A., com sede na Alameda ..., Piso ..., ... Lisboa, por virtude da cessão de créditos do Banco 1..., S.A., veio a executada, AA, residente na Rua ..., n.º ..., 2.º, ... ..., Matosinhos, deduzir embargos de executado onde concluiu pedindo a sua procedência com a consequente extinção da execução.
Invocou, além do mais, a excepção dilatória do incumprimento do regime previsto no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25-10 (PERSI), argumentando que a exequente não o cumpriu.
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Notificada, a exequente apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos, asseverando, designadamente, ter integrado a embargante no sistema PERSI.
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Foi proferido despacho saneador sentença que julgou procedentes os embargos de executado e determinou a absolvição da aqui embargante AA da instância executiva e, por força da mesma, a extinção da execução.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente A..., S.A., veio interpor recurso de apelação.
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Por acórdão deste Tribunal da Relação foi acordado em anular o despacho saneador para ampliação da decisão de facto, determinando-se o prosseguimento dos autos.
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Em obediência ao acórdão, foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
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Por sentença proferida foram julgados procedentes os embargos de executado, determinada a absolvição da embargante AA da instância executiva e, por força da mesma, a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente A..., S.A., veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I.A Apelante não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que dela decorre, já que face aos factos alegados e bem assim à prova produzida nos autos, teria que necessariamente conduzir à improcedência dos embargos de executado apresentados.
II. O Tribunal de 1ª instância fez diversas interpretações erradas da lei, nomeadamente, do disposto nos artigos 14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25/10.
III. Fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão no entendimento de que a Exequente, ora Apelante, apenas demonstrou o envio de uma carta simples a comunicar a integração de AA no PERSI, e posteriormente a extinção do PERSI por regularização da dívida, através de uma missiva simples, comunicando afinal a extinção do PERSI por insolvência do co-mutuário.
IV. Entendeu, contudo, o douto tribunal a quo, que não ficou demonstrado que tal missiva tenha sido efetivamente recebida pela embargante, defendendo que a citada lei constante no DL n.º 227/2012 de 25/10, exige o envio de suporte duradouro, o que implica a prova de que tal missiva tenha sido efetivamente recebida pela embargante.
V. A alegada falta de integração do PERSI não se verifica, já que este procedimento foi empreendido de forma clara e inequívoca pelo Recorrente, em estrito cumprimento das obrigações legais a que está adstrito.
VI. Dos factos provados nestes autos, é possível aferir que o banco credor enviou cartas simples à executada, aqui Recorrida, informando-a da sua integração e posterior extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), regulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, talqualmente previsto.
VII. I. Nos termos do disposto nos artigos 14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25/10, as comunicações de integração dos executados no PERSI e respetiva extinção do procedimento têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um email), não se exigindo, porém, que as mesmas sejam acompanhadas de registo ou aviso de receção.
VIII. Nos termos do nº 4 da referida norma, a aqui Recorrente tinha efetivamente o dever de informar a executada da sua integração/extinção no PERSI através de comunicação em suporte duradouro, entendendo-se como tal, nos termos do artigo 3º, al. h), qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
IX. Conclui-se assim que se tem por cumprida tal condição de precedência da ação, com a junção aos autos deste procedimento em suporte que se considera duradouro, na medida em que documenta a sua instauração e a sua extinção, com as atinentes missivas enviadas à cliente, e que aqui foram provadas.
X. Este tem sido também o entendimento acolhido pela maioria da nossa jurisprudência, nomeadamente por esta Relação, de que são exemplo vários acórdãos que concluem que se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.
XI. De igual modo, desde já se diga que a exigência de comunicação em suporte duradouro remete-nos para a noção de documento que é dada pelo artigo 362.º do Cód. Civil, i.e: «qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto».
XII. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado ou aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice.
XIII. A exigibilidade e formalismo estabelecido para este procedimento, nos termos das decisões jurisprudenciais que têm vindo a ser proferidas, não se coaduna com o que a lei estabelece, sendo certo que a procedência desta exceção inominada, apenas privilegiaria a posição da Embargante que com isto se escuda ao cumprimento das suas obrigações e inerentes dívidas que geram, em claro detrimento e prejuízo do credor/Exequente.
XIV. Na mesma linha de entendimento, o disposto no artigo 4.º n.º 1 do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012: “1 - Nos casos em que no regime geral de prevenção e regularização do incumprimento de contratos de crédito não se exija a comunicação em suporte duradouro, as instituições de crédito, no âmbito dos procedimentos previstos no PARI e no decurso do PERSI, podem contactar os clientes bancários de forma presencial ou através de qualquer meio de comunicação à distância.”
XV. O Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 aponta portanto, no mesmo sentido que o Decreto Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, ou seja, não exigindo que as comunicações
referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas mediante correio registado e/ou registo com aviso de receção, para que sejam efectivamente cumpridas pela parte a que está obrigada.
XVI. Por seu turno, também não decorre da Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (que regulamenta o Decreto-Lei nº 227/2012) qualquer menção à observância e obrigatoriedade do envio de correio registado/aviso de receção.
XVII. A lei não exige, portanto, que as comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efetuadas através de carta registada com aviso de receção, para prova de efectiva comunicação ou integração no PERSI.
XVIII. A Recorrida invoca falta de integração do PERSI, mas também não demonstra que estivessem preenchidos os requisitos para aplicação do mesmo.
XIX. De facto, não demonstrou que tenha comunicado dificuldades ou alertado o Banco para o risco de incumprimento.
XX. E tal é comprovado pelas inúmeras tentativas de resolução extrajudicial que embora, sem sucesso, tiveram lugar, tal como resultou não só mas também pela prova testemunhal.
XXI. Acresce que no que respeita à prova testemunhal, entende o Recorrente que o Tribunal a quo mal andou nas ilações retiradas do testemunho apresentado pela Recorrente.
XXII. De facto, as tentativas de negociação extrajudicial tiveram lugar, numa perspectiva temporal, na sequência da declaração de insolvência do co-mutuário, no entanto tal significa que não tiveram porque ficou inequivocamente provado de que a Recorrida não foi integrada em PERSI.
XXIII. E tal conclusão não decorre, pelo que não pode ser concluído ou admitido, do testemunho apresentado.
XXIV. Acresce que o aqui Recorrente, enquanto instituição de gestão de créditos não tem legitimidade para dar início ou fim ao procedimento PERSI, razão pela qual, na data em que as negociações tiveram lugar, as mesmas não poderiam ter sido razão directa da integração do PERSI, porquanto o Recorrente para tal não tinha legitimidade, sendo tal prorrogativa exclusiva das instituições bancárias.
XXV. Por tudo o supra exposto e perante a decisão de que ora se recorre, salvo melhor entendimento, não houve a devida apreciação dos factos e consequentemente, a apreciação do mérito da causa.
XXVI. Fica assim demonstrado o desacerto da Sentença recorrida, tendo em conta os argumentos supra expendidos e que nesta sede se reproduzem.
XXVII. Deste modo e salvo o devido respeito, a interpretação e aplicação do direito pelo Tribunal a quo para fundamentar a douta sentença que julgou verificada a exceção dilatória inominada, não está em perfeição com as normas aplicáveis, pelo que, face à análise casuística da situação sub judice, é forçoso concluir que a decisão ora recorrida, violou o disposto nos artigos 14º, n.º 4 e 17º, n.º 3 do DL 227/2012, de 25/10.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos provados
O Tribunal a quo considerou assentes os seguintes factos:
1.No exercício da sua actividade o Banco 1... S.A., celebrou em 9.5.2018, lhes emprestou a quantia de € 225.000,00 com a Executada AA e com BB, um acordo, denominado “Mútuo com Hipoteca” que estes se comprometeram a reembolsar em 344 prestações mensais e sucessivas de capital e de juros, nos demais termos constantes do documento n.º 4 junto com o requerimento executivo – Escritura e documento complementar, cujo teor no mais, se dá aqui por reproduzido.
2. Para garantia do capital mutuado no contrato supra referido, respectivos juros e despesas, foi constituída sobre a fracção autónoma designada pela letra “X”, correspondente a habitação, no segundo andar, sito na Rua ..., n.º ... e ..., com tudo o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, registada pela inscrição pela AP. ... de 2002/08/27, sito em ..., descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... registada na Conservatória do Registo Predial sob a AP. ... de 2018/05/09.
3. Não foi paga a prestação que se venceu a 30/06/2022 nem as vencidas posteriormente.
4. Por Contrato de Cessão de Créditos, assinado em 14 de Outubro de 2022, o Banco 1..., S.A. cedeu os créditos identificados como: ..., que detinha sobre a Executada e todas as garantias acessórias a eles inerentes, à A..., S.A., aqui Exequente, nos termos constantes do documento n.º 1 junto com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. O co-mutuário BB foi declarado insolvente no âmbito do processo judicial n.º 2450/22.2T8STS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - J1.
6. O Banco credor, através de Carta simples 2.ª via datada de 29.8.2022, enviada por correio simples, à executada, informou-a que havia sido integrada no PERSI, nos termos constantes do documento junto aos autos em 18.9.2023, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
7. O Banco credor, através de Carta datada de 21.10.2022, enviada por correio simples, à executada, informando-a que o PERSI se havia extinto, regularização dos valores em divida, nos termos constantes do documento junto aos autos em 18.9.2023, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
8. Posteriormente, o Banco Credor através de Carta datada de 3.11.2022, enviada por correio simples, à executada, informou-a que o PERSI se havia extinto face à declaração de insolvência do co-executado BB.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver no âmbito do presente recurso prende-se com saber se o Banco deu cumprimento ao PERSI, condição de exequibilidade da obrigação exequenda, face ao disposto na alínea b) do nº 1, e do nº 4 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
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4. Conhecimento do mérito do recurso
Mostra-se pacífico nos autos que a situação sob apreciação assume integração no denominado PERSI, previsto no Decreto Lei n.º 227/2012, de 25.10, que estabelece os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
Tal diploma, conforme esclarece o seu preâmbulo, pretendeu “(…) estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.
Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Acão para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando, com base no presente diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento.
Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”.
O PERSI caracteriza-se por comportar três fases essenciais: uma inicial, outra de avaliação e proposta e de negociação (artigos 14.º, 15.º e 16.º, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10), extinguindo-se, nos termos previstos no artigo 17.º, do referido diploma.
De acordo com o disposto nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do citado DL, a integração no PERSI e a extinção do procedimento, têm de ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro”, sem prejuízo dos requisitos exigíveis quanto ao conteúdo dessas comunicações.
Ora, quer a comunicação de integração no PERSI, quer a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância[1].
No que se refere à concretização do conceito de comunicação em suporte duradouro, a alínea h) do artigo 3.º define-a como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.”.
Ou seja, a lei exige uma determinada forma de levar ao conhecimento dos devedores que os mesmos foram integrados no PERSI e, também, que este foi declarado extinto. Com efeito, e nos termos do citado diploma legal, «a comunicação - quer da integração do devedor no PERSI, quer a extinção deste - deve ser feita em “suporte duradouro”, isto é, através de «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas[2]».
Tal «suporte duradouro» pode ser o papel mas também pode ser um meio electrónico, como um email ou um CD-ROM. E, assim sendo, como efectivamente o é, as comunicações em causa podem ser feitas através de carta. E até através de carta simples porquanto o Decreto-lei n.º 227/2012 impõe apenas que a comunicação seja feita em “suporte duradouro”.
Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-09-2021[3], «As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal».
Essencial, diremos nós, é que as declarações de integração dos devedores no PERSI e a extinção deste Plano, quando é o caso, ainda que formalizadas em carta simples (como sucedeu no caso presente) cheguem ao poder dos devedores ou se tornem deles conhecidas.
Ou seja, estamos, sem dúvida, perante comunicações que, para produzirem os efeitos respectivos, têm de chegar ao poder ou ser conhecidas pelo(s) cliente(s) bancário(s) que está(ão) em situação de incumprimento do(s) contrato(s) de crédito. Dito de outro modo, estamos perante declarações receptícias[4], o que significa que tem de ser feita a prova não só da sua existência mas também do seu envio aos devedores e recepção por estes, cabendo o ónus da prova desses factos à instituição de crédito porquanto se trata de condição indispensável para o exercício do direito (de crédito) que pretende fazer valer[5].
No caso em apreço, encontra-se assente que:
“- O Banco credor, através de Carta simples 2.ª via datada de 29.8.2022, enviada por correio simples, à executada, informou-a que havia sido integrada no PERSI, nos termos constantes do documento junto aos autos em 18.9.2023, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
- O Banco credor, através de Carta datada de 21.10.2022, enviada por correio simples, à executada, informando-a que o PERSI se havia extinto, regularização dos valores em divida, nos termos constantes do documento junto aos autos em 18.9.2023, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
- Posteriormente, o Banco Credor através de Carta datada de 3.11.2022, enviada por correio simples, à executada, informando-a que o PERSI se havia extinto face à declaração de insolvência do co-executado BB.”
Não se provou, porém, que a executada/embargante AA recebeu as missivas enviadas por correio simples, referidas em 6, 7 e 8 dos factos provados.
Ou seja, encontra-se assente, sem oposição das partes, que a integração no PERSI foi enviada à executada/embargante através da carta referida no ponto 6 dos factos provados, datada de 02.01.2018, e, posteriormente, foi igualmente enviada a decisão de extinção da medida (carta mencionado no ponto 5 dos mesmos factos).
Porém, a existência das cartas e o seu envio não se confunde com a sua recepção.
Assim, afigura-se-nos não ser controvertido que a existência das cartas não se confunde com o respectivo envio aos devedores e a sua recepção por estes últimos. Mas o facto é que o envio aos devedores e a recepção por estes das referidas declarações são imprescindíveis para que haja a “comunicação” imposta por lei. Consequentemente, a prova da concretização das comunicações em causa - quer a de inserção dos devedores no PERSI, quer a de extinção do PERSI que possibilitam ao credor reclamar judicialmente a satisfação do seu crédito - implica não só a prova da sua existência, como ainda a prova do seu envio aos devedores e da respectiva recepção/conhecimento por estes últimos na medida em que, como atrás assinalámos, se trata de declarações receptícias.
De resto, como resulta da sentença em crise, o que está em causa é a necessidade de, em cumprimento do disposto no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, a Apelante demonstrar que, efectivamente, procedeu à integração da ora Apelada no PERSI.
Porém, não logrou provar a referida factualidade, que, também, não impugnou em conformidade com o disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, e como resulta da jurisprudência dominante[6]:
“I - A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC).
II - Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.º do CC.
III - Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada;
IV - A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova”.
Quer isto dizer que, em conformidade com os ensinamentos que dimanam do referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, cujo sumário se mostra transcrito, poderia a Apelante ter produzido prova sobre a efectiva recepção pela Apelada das cartas identificadas em 6, 7 e 8 dos “Factos Provados”, sendo que o seu registo postal seria apenas um dos meios de prova, que não o meio de prova.
Todavia, conforme atrás referimos, no caso em apreço, a Apelante não logrou provar que a Apelada tenha efectivamente recebido essas mesmas cartas identificadas em 6, 7 e 8 dos “Factos Provados”, uma vez que resulta da sentença em apreço, “(…) a convicção do Tribunal assentou na ausência total de prova que apontasse nesse sentido pois que nenhuma das testemunhas inquiridas foi capaz de confirmar que a Executada/Embargante recebeu as ditas missivas. Tanto mais que à data do envio das cartas segundo duas das testemunhas inquiridas (BB ex companheiro da executada e co mutuário insolvente; E CC, seu contabilista o confirmaram), já se encontrava a residir no Brasil, para onde se mudou em Novembro 2020, para onde desde essa data regressou.
Por outro, também do depoimento da testemunha, DD que trabalha na recuperação de crédito da embargada/exequente, ressalta inequivocamente a não confirmação da integração da embargante no Persi, o que esta declarou expressamente não saber (…)”.
Ou seja, ao contrário do alegado pela Apelante, a ausência de prova da efectiva recepção pela Apelada das cartas em questão, nada tem a ver com qualquer exigência de necessidade de registo postal, mas sim com o facto de nenhuma prova ter sido produzida por aquela nesse sentido, matéria de facto que não se mostra impugnada pela Apelada de harmonia com o disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, nos termos do nº 1, do artigo 14º, do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, a integração da Apelada no PERSI por parte do Banco Mutuante era obrigatória para este, já que dos autos decorre que foi a própria Apelante quem alegou “(…) o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito (…)” por parte da ora Apelada.
Por fim, ainda que os documentos juntos aos autos pela Apelante fossem oponíveis à ora Apelada em termos de demonstrar que foi feita a introdução no PERSI e que foi extinto tal procedimento extrajudicial, o certo é que dos mesmos resulta que em 14 de Outubro de 2022, data em que ocorreu a cessão do crédito sobre a Apelada a favor da Apelante, ainda se encontrava em curso o PERSI relativo aquela, o qual só veio a ser extinto por carta de 21.10.2022.
Assim sendo, a cessão do crédito sub judice a favor da Apelante sempre violaria o disposto no artigo 18º, nº 1, al. c) do DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, na sua actual redacção, já que este normativo legal impede a cedência a terceiro de uma parte ou da totalidade do crédito “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento”.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.
Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação do Porto em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Apelante.
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Notifique.
Porto, 06 de Março de 2025
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Cfr. artigo 576, nº 2, do Código de Processo Civil.
[2] Cfr. artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10.
[3] Cfr. processo n.º 173/21.9T8ENT-A.E1, relator Manuel Bargado, consultável em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil.
[5] Cfr. neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, relatora Graça Amaral, que aqui seguimos de perto em diversos segmentos e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-05-2020, proc. n.º 5585/15.4T8FNC-A.L2-2, relatora Laurinda Gemas, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[6] Cfr., por todos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021, proferido no processo nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S19, atrás citado.
Fonte: http://www.dgsi.pt