SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão
CÍVEL
Processo

505/15.9T8AVR.P1.S1

Data do documento

5 de dezembro de 2017

Relator

Ana Paula Boularot


DOWNLOAD              

IMPRIMIR              

PARTILHAR              

COPIAR              

TAMANHO DE LETRA              



RELEVÂNCIA


Descritores

Acidente de viação
Responsabilidade civil
Dano biológico
Indemnização


Sumário


I O dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.
II Se no caso concreto não existir o dano biológico, não há dano ressarcível; se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele.
III O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido.
(APB)



ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I L instaurou acção declarativa emergente de acidente de viação, com forma de processo comum, contra LIBERTY SEGUROS, SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 155.900,11, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, invocou a ocorrência de um acidente de viação, no dia 16 de Junho de 2013, cerca das 9h20m em Y, em que foi vítima de atropelamento pelo veículo 00-00-00 quando atravessava a faixa de rodagem na passadeira aí existente destinada à travessia de peões, atribuindo a culpa na produção do acidente ao condutor. Em consequência do atropelamento advieram-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais, pelos quais a Ré é responsável, por força do contrato de seguro através do qual assumiu a responsabilidade pelos danos causados a terceiros decorrentes da circulação daquele veículo.

A Ré contestou, impugnado os montantes peticionados.

A final foi produzida sentença que julgando a acção parcialmente procedente condenou a Ré a pagar à autora a quantia de € 67.352,00, a título de indemnização global pelos danos sofridos como decorrência do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Inconformadas, apelaram Autora e Ré, tendo sido julgada parcialmente procedente a Apelação interposta pela Autora e improcedente a interposta pela Ré e em consequência alterada a sentença recorrida, com a condenação desta a pagar à Autora o montante indemnizatório global de € 93.602,00 (noventa e três mil seiscentos e dois euros).

Irresignada com este desfecho recorreu a Ré, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:
- Entendeu o Acórdão recorrido atribuir à Autora uma indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00, tendo por base o acervo de factos provados que integram os itens 10 a 30 e 40 a 56.
- Conforme determina o n.° 1 do art. 496° do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito, sendo que o montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o art. 494° do C.C. (art. 496°, n.° 3, 1ª parte do CC).
- A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha que assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
- À luz de um critério objectivo, e tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, designadamente, o número e extensão das lesões sofridas e as dores sentidas, considera a Recorrente que o montante atribuído pelo douto Acórdão recorrido, a título de danos não patrimoniais, mostra-se desadequado, por excessivo.
- Em virtude das lesões sofridas pela A., e com relevância para a apreciação do presente recurso, foi atribuída à Autora: x uma incapacidade permanente geral de 7 pontos; x um quantum doloris de 4/7; x um dano estético de 3/7; x repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2/7.
- A indemnização prevista no art° 496°, n° 1, do CC é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar "matematicamente" na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e,nessa exacta medida, insusceptíveis de indemnização) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no artigo 494°.
- Assim forçoso será de concluir que a compensação a atribuir à Autora por danos não patrimoniais terá de ser consideravelmente menor, porque menor é o dano da Autora comparativamente com os casos supra identificados.
- Tal como se supra expôs, os critérios a utilizar para a determinação do dano não devem ser abstractos ou mecânicos, devendo antes atender ao caso concreto e sempre temperados por juízos de equidade.
- Assim, e como a gravidade do dano se deve medir sempre por padrões objectivos de acordo com a realidade fáctica apurada e não com base em critérios aleatórios e abstractos, não podemos concordar com o montante atribuído pelo douto Acórdão recorrido, pelo que, deve a quantia fixada para indemnização por danos não patrimoniais da Autora ser corrigida, devendo o Acórdão ser revogado nesta parte, reduzindo-se a mesma para um valor mais justo e equitativo, dado que ao não fazê-lo incorrer-se-á na violação expressa dos normativos aplicáveis a esta matéria.
- Nestes termos, deverá a quantia fixada para indemnização por danos não patrimoniais da Autora ser corrigida, devendo a mesma ser reduzida para a quantia de € 10.000,00.
- Entendeu a Veneranda Relação do Porto atribuir a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho para o futuro o montante de € 30.000,00, montante esse que a ora Recorrente, salvo o devido respeito, não pode concordar, atenta à factualidade provada nos autos, dentro da qual o Tribunal ad quem se moveu para fixação da referida quantia indemnizatória.
- O Tribunal recorrido considerou justo, por equitativo, atribuir à Autora tal montante com base no défice funcional permanente de integridade fisíco-psíquica de 7 pontos de que a Recorrida ficou a padecer.
- A referida incapacidade diz única e exclusivamente respeito à incapacidade geral (fisiológica ou funcional), ou seja, às tarefas comuns e indiferenciadas da vida diária, corrente e que interessa a todos os indivíduos, independentemente da sua idade ou profissão.
- No que à repercussão na actividade profissional diz respeito, as sequelas sofridas pela Autora implicam esforços acrescidos no exercício da sua actividade profissional, embora compatíveis com o seu exercício.
- O ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade - art. 564, n.° 2 do Código Civil - sendo estes certos ou suficientemente previsíveis como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente por virtude de lesão corporal.
- A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
- A atribuição de indemnização por danos futuros decorrentes de incapacidade permanente parcial assenta numa (errada, salvo o devido respeito) ideia-chave: a de que uma tal incapacidade afecta inevitavelmente a capacidade de ganho (mesmo que não tenha repercussão profissional), no entanto, tal ideia é injusta e desajustada quando equiparado com aqueles casos em que os factos provados evidenciam uma efectiva perda da capacidade de ganho.
- Não tendo as lesões repercussão profissional, não ocorrendo perda objectiva da capacidade de ganho (a lesada mantém-se apta para o exercício da sua profissão), o ressarcimento do dano patrimonial futuro só se poderá fundar nas consequências negativas a nível da sua actividade geral.
- Não existindo repercussão profissional, tais "consequências negativas", não terão directamente a ver com perda da capacidade de ganho, mas com outra realidade.
- Da incapacidade de que a A. é portadora não resultou perda ou diminuição de retribuição, não tendo resultado provado que a A. tenha tido uma efectiva diminuição ofendido ficou a sofrer de uma incapacidade permanente geral de 40%. O quantum doloris foi fixado no grau 5/7; o dano estético foi fixado no grau 4/7. O prejuízo de afirmação pessoal foi fixado no grau 4/5 e o prejuízo sexual foi fixado no grau 3/5.
- Razões pelas quais entende a Recorrente que, a ter o A. direito a uma indemnização quando não registou uma repercussão negativa no seu efectivo ganho, sempre aquela se deve ficar por um valor nunca superior a € 10.000,00.
- Entendeu a Veneranda Relação do Porto atribuir à A., a título de indemnização pelo dispêndio com empregada doméstica, considerando a esperança média de vida da Recorrida, o montante de € 33,792,00, montante com o qual a ora Recorrente, salvo o devido respeito, não pode concordar, atenta a factualidade provada nos autos, a qual jamais poderia conduzir à atribuição da referida quantia.
- Tendo por base o acervo factual que se demonstra consolidado, é entendimento da ora Recorrente que, considerando as lesões sofridas pela A., não decorre que a mesma tenha ficado a necessitar de ter ajuda permanente computada num acréscimo de quatro horas semanais para a realização das tarefas domésticas até ao final da sua vida, tanto mais que a A. não se viu impedida de praticar os actos normais da vida corrente.
- Resulta claro que a A. se encontra limitada em cerca de 10 a 15 graus no movimento de abdução do braço direito, mas verdade é também que se numa pessoa sem lesões consegue realizar tal movimento num ângulo até 130 graus, a A., em consequência das lesões sofridas consegue realizar tal movimento num ângulo até 110 a 115 graus.
- Muito embora a A. tenha ficado a padecer de uma limitação nos termos acima descritos, nunca tal limitação, salvo o devido respeito que é muito, se pode consubstanciar, em termos práticos, numa necessidade de ajuda permanente de uma empregada para a realização das tarefas domésticas em mais quatro horas semanais (para além das que a A. já tinha contratadas) até ao final da vida!
- Por outro lado, é conhecimento comum que a realização das mais elementares tarefas domésticas não exigem um esforço tal que impliquem um acréscimo do horário semanal de uma empregada doméstica em mais quatro horas semanais.
- Qualquer pessoa em circunstâncias normais o que faz é contratar uma pessoa para a realização das tarefas domésticas ditas normais, reforçando o número de horas nas alturas em que tem de fazer tarefas domésticas mais exigentes. Porém, esta necessidade resulta, ou não, das tarefas que cada um entende ser de realizar na sua casa não estando relacionada com qualquer outro facto exterior, no caso, com as lesões sofridas pela A. em consequência do acidente,
- Não se descortina, nem consta dos factos dados como provados a necessidade da A. aumentar a carga horária da empregada doméstica em mais quatro horas semanais, tanto mais que as tarefas domésticas já eram realizadas por uma pessoa numa determinada carga horária antes da A. ter sofrido o acidente, bem como não ficou sequer demonstrado nos presentes autos ter existido um aumento das tarefas domésticas para a A. em consequência das lesões sofridas pelo acidente,
- Pelo exposto, terá de improceder a condenação da Recorrente no montante arbitrado de € 33.792,00 referente ao dispêndio que irá ser efectuado pela A. com uma empregada doméstica (a título de acréscimo com o número de horas).

Não houve contra alegações.

II Questiona a Ré no âmbito do presente recurso o montante indemnizatório atribuído à Autora a título de danos morais e de perda da capacidade de ganho para o futuro:

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:
- No dia 16 de Junho de 2013, pelas 9:20 horas, na Avenida … em Y, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o automóvel Renault Megane, de matrícula 00-00-00 e a aqui autora (art. 1º da petição inicial).
- O automóvel, de matrícula 00-00-00, era conduzido e propriedade de R (art. 2º da petição inicial).
- Que o conduzia provindo da X e seguia no sentido da XX (art. 3º da petição inicial).
- A autora encontrava-se em plena travessia da passagem para peões ali existente (art. 4º da petição inicial).
- Sem que nada o fizesse prever, o condutor do 00-00-00 não deteve o veículo que conduzia à aproximação da referida passagem para peões (art. 5º da petição inicial).
- E veio a colher a autora, que se encontrava a efectuar a travessia da direita para a esquerda, atento o sentido X-XX (art. 6º da petição inicial).
- E quando esta já havia percorrido cerca de 3 metros (art. 7º da petição inicial).
- No momento do acidente estava bom tempo, era de dia e a visibilidade no local é superior a 100 metros para cada lado da referida passagem para peões (art. 8º da petição inicial).
- A demandada já assumiu a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente, tendo procedido ao acompanhamento clínico da demandante nos seus serviços e por sua conta, pagando todas as despesas médicas, medicamentosas, de internamento e períodos de baixas, (art. 11º da petição inicial).
- A demandante sofreu traumatismo craniano, hematomas, contusões, escoriações e cortes (art. 13º da petição inicial).
- Sofrendo traumatismo no ombro direito com fractura da clavícula e queimaduras na região dorsal (art. 14º da petição inicial).
- Foi transportada para o Hospital de …, onde foi assistida e fez curativos às lesões cutâneas (art. 15º da petição inicial).
- Bem como RX (art. 16º da petição inicial).
- Passados dois dias, a autora, viu-se na necessidade de recorrer, novamente, ao serviço de urgência do hospital de … por tonturas, vómitos, cefaleias (art. 17º da petição inicial).
- Foram repetidos exames e TAC cerebral (art. 8º da petição inicial).
- Tendo-lhe sido dada alta médica após ter sido medicada (art. 19º da petição inicial).
- Mais tarde, a autora repetiu o RX (art. 22º da petição inicial).
- Do qual resultou indicação cirúrgica (art. 23º da petição inicial).
- Perante esta indicação, a demandante dirigiu-se à demandada tendo sido submetida a cirurgia do ombro direito no dia 4 de Julho de 2013, nos seus serviços clínicos (art. 24º da petição inicial).
- Após a recuperação necessária, foi seguida em tratamentos de fisioterapia (art. 25º da petição inicial).
- No entanto, e como as dores permaneciam, foi novamente vista em consulta (art. 26º da petição inicial).
- Onde foram repetidos exames (art. 27º da petição inicial).
- Constatando-se que não houve consolidação da fractura da clavícula (art. 28º da petição inicial).
- Exigindo-se desta forma uma nova cirurgia que foi realizada em Outubro de 2013 (art. 29º da petição inicial).
- Sendo que, desde então, tem a autora vindo a fazer fisioterapia de forma regular (art. 30º da petição inicial).
- De maneira a conseguir suportar as dores que continua a sentir (art. 31º da petição inicial).
- Neste momento a autora apresenta as seguintes sequelas decorrentes do acidente:
- Crânio: área modular na palpação (com área de 1 cm por 2 cm), que é referida como ligeiramente dolorosa (refere «desconforto» ao toque), com crescimento normal de cabelo localizada no terço posterior na região parietal direita que é referida como dolorosa na palpação;
- Face: sem alterações;
- Pescoço: sem alterações;
- Ráquis: sem alterações;
- Tórax: Na face posterior de todo o dorso observam-se manchas hiperpigmentadas em toda a área – a maior com 0,4 cm de diâmetro e a menor com 0,2 cm de diâmetro – alterando com áreas de manchas hipopigmentadas – as maiores com cerca de 2 cm por 3 cm e as menores do cerca de 2 cm por 1 cm; não é referida qualquer alteração ao nível da sensibilidade nesta área do dorso (nega dor, nega alteração da sensibilidade dérmica, nega prurido);
- Abdómen: sem alterações;
- Períneo: sem alterações;
- Membro superior direito: à inspecção observa-se infra desnivelamento da cintura escapular direita relativamente à esquerda; cicatriz cirúrgica localizada na face superior do ombro estendendo-se até à área anatómica do terço externo da clavícula direita, com 8 cm de comprimento, dolorosa na palpação e no contacto com peças de vestuário nomeadamente a alça do soutien; o estudo da mobilidade articular do ombro limitada para o movimento de abdução e de flexão anterior (0º-120º) estando conservada e simétrica para todos os restantes movimentos. Força muscular conservada neste membro superior e simétrica. Manchas cicatriciais de tonalidade nacarada, dispersas na face dorsal da mão e de dedos, não causando saliência na superfície da pele e sem queixas associadas.
- Membro superior esquerdo: Manchas cicatriciais de tonalidade nacarada localizadas na face dorsal do cotovelo (que apresenta mobilidade articular conservada) e ainda manchas cicatriciais com as mesmas características dispersas na face dorsal da mão e de dedos, não causando saliência na superfície da pele sem queixas subjectivas associadas;
- Membro inferior direito: Manchas cicatriciais de tonalidade nacarada localizadas na face anterior do joelho (que apresenta mobilidade articular conservada) não causando saliência na superfície da pele sem queixas subjectivas associadas;
- Membro inferior esquerdo: Manchas cicatriciais de tonalidade nacarada localizadas na face anterior do joelho (que apresenta mobilidade articular conservada) não causando saliência na superfície da pele sem queixas subjectivas associadas; na face lateral de termo médio e inferior da perna observa-se área preenchida por neovasos superficiais, área sem queixas subjectivas associadas (que pode estar associada a resolução de equimose ou hematoma que tenha existido naquela área).
(arts. 34º, 76º, 77º, 78º, 79º, 80º, 81º e 82º da petição inicial, com a restrição que resulta da matéria provada).
- A Autora irá necessitar de fisioterapia de forma regular e permanente até ao final da sua vida para que possa conservar a mobilidade que ainda possui no ombro direito, para diminuir as dores que sente em permanência (artº 35º da petição inicial).
- De igual forma a fisioterapia servirá para tentar que as limitações no ombro não aumentem, o que acontecerá de forma inelutável se a autora não realizar as sessões de fisioterapia aconselhadas pelos profissionais (artº 36º da petição inicial).
- A autora necessita de efectuar 15 sessões de fisioterapia por ano, com um custo global variável entre 140 e 200 euros (artº 37º da petição inicial).
- A expectativa média de vida de uma mulher em Portugal é de 82,79 anos, de acordo com o INE (art. 39º da petição inicial).
- A autora tinha 35 anos à data do acidente porquanto nasceu em 17 de Fevereiro de 1978 (art. 40º da petição inicial).
- A está obrigada a tomar analgésicos até ao fim da sua vida, a fim de diminuir as dores de que padece (art. 42º da petição inicial).
- Por força das queixas acima referidas, a autora viu-se forçada a recorrer a um médico da especialidade de Neurologia, Dr. J, tendo este prescrito Betarsec 24 mg, a fim de tentar diminuir os sintomas que a afectavam (art. 50º da petição inicial).
- O Dr. J, nessa consulta prescreveu tratamento para 3 meses, (art. 53º da petição inicial).
- A demandante viu-se obrigada a recorrer a uma pessoa da sua confiança para efectuar as limpezas e restantes lides domésticas mais pesadas em sua casa com frequência superior à que tinha até à data do acidente (art. 60º da petição inicial).
- A demandante já tinha uma mulher-a-dias que ia a sua casa cinco horas por semana (art. 61º da petição inicial).
- Após o acidente, e em consequência das suas limitações físicas, a demandante viu-se obrigada contratar a referida mulher-a-dias durante mais horas por mês (art. 62º da petição inicial).
- Para fazer as tarefas que não consegue realizar sem dor e esforços acrescidos, decorrentes das sequelas supra-referidas (ponto 27), que impliquem sobremaneira o uso do braço direito, como por exemplo, aspirar, limpar, passar a ferro e estender roupa (arts. 63º e 64º da petição inicial).
- Sendo que, agora, a referida senhora trabalha mais quatro horas por semana (art. 65º da petição inicial).
- E que a demandante paga 4,00 € por hora (art. 66º da petição inicial).
- Projectando a necessidade de tal pessoa até ao final dos seus dias (art. 69º da petição inicial).
- As cicatrizes que a autora apresenta implicam uma desvalorização de 3 graus (numa escala de sete graus de gravidade crescente) (art. 83º, 108º e 114º da petição inicial).
- A autora necessita mais tempo na execução das tarefas laborais (art. 90º da petição inicial).
- A demandante antes do acidente era uma pessoa saudável, não lhe sendo conhecida qualquer doença ou problema físico ou mental (art. 92º da petição inicial).
- E nunca teve problemas de saúde que a limitassem fosse de que forma fosse (art. 93º da petição inicial).
- Sendo uma pessoa activa, que praticava corrida com regularidade, tendo sido atropelada precisamente na altura em que praticava jogging (art. 94º da petição inicial).
- Actividade que lhe causava particular satisfação (art. 95º e 99º da petição inicial).
- A autora, neste momento e em consequência das sequelas de que ficou a padecer, não consegue praticar corrida com a regularidade anterior (art. 96º e 97º e 104º da petição inicial).
- A demandante administrava a sua vida sozinha, de forma autónoma e independente (arts 98º e 100º da petição inicial).
- E cuidava da sua filha menor de idade (art. 101º da petição inicial).
- A demandante teve um período de défice funcional temporário total de 199 dias (art. 110º da petição inicial).
- E um período de défice funcional temporário parcial de 31 dias (art. 111º da petição inicial).
- Tendo estado impedida de trabalhar durante 230 dias (art. 112º da petição inicial).
- O quantum doloris é fixável no grau 4 (numa escala de sete graus de gravidade crescente) (art. 113º da petição inicial).
- A autora tem uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2 (numa escala de sete graus de gravidade crescente) (art. 115º da petição inicial).
- Na altura do acidente e nos meses subsequentes, a demandante sofreu dores (art. 116º da petição inicial).
- A autora encontra-se afectada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 7 (sete) pontos, sendo que as sequelas de que padece implicam esforços acrescidos no exercício da sua actividade profissional (art. 118º da petição inicial).
- A demandante é directora comercial na empresa “Consultoria, Lda”, onde aufere o salário mensal de 700,00 € (art. 119º da petição inicial).
- Recebendo ainda a autora gratificações decorrentes das vendas que efectua ou dos contratos que consegue concluir (art. 120º da petição inicial).
- A demandante auferiu em 2011 o montante total de 17.700,00 € (art. 121º da petição inicial).
- Em 2012 auferiu o montante total de € 27.205,09 (art. 123º da petição inicial).
- E em 2013 o montante de € 15.332,63, (art. 125º da petição inicial).
- A demandante, em consequência do acidente, perdeu a roupa desportiva (calças e t-shirt) que vestia na altura (art. 137º da petição inicial).
- O veículo Renault Megane de matrícula 00-00-00 tinha a sua responsabilidade validamente transferida para a Companhia de Seguros Liberty Seguros S.A., através do contracto de seguro titulado pela apólice nº 000000 (art. 144º da petição inicial).
- A ré seguradora assumiu o pagamento de algumas despesas, nomeadamente das cirurgias a que a autora se submeteu, consultas, medicamentos hospitalares e diferenças salariais (art. 147º da petição inicial).

1.Dos montantes indemnizatórios.
1.1.Dos danos não patrimoniais.

Não estando posta em causa a responsabilidade pela produção do resultado, que a Recorrente aceita caber-lhe por via do contrato de seguro celebrado com o proprietário do veículo causador do embate, apenas temos de verificar se os montantes indemnizatórios se encontram atribuídos de forma excessiva.

Começa a Ré/Recorrente, por discutir a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, no montante de € 20.000, por a considerar exorbitante, atento o preceituado no artigo 496º, nº1 do CCivil.

Como deflui daquele ínsito legal «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.».

O segundo grau, aquando da ponderação do montante a atribuir a este título teve em atenção a idade da vitima à data do acidente (35 anos), bem como todas as repercursões daí advenientes, vg, a incapacidade permanente geral sofrida de 7 pontos, o quantum doloris de 4/7, o dano estético de 3/7,bem como a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2/7.

Tendo em atenção as sobreditas condicionantes, não nos merece qualquer censura a verba assim alcançada. Soçobrando as conclusões neste preciso particular.

1.2.Dano biológico, perda de capacidade de ganho:

Contesta a Recorrente o montante atribuído a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho para o futuro o montante de € 30.000,00 com base no défice funcional permanente de integridade fisíco-psíquica de 7 pontos de que a Recorrida ficou a padecer, sendo que a referida incapacidade diz única e exclusivamente respeito à incapacidade geral (fisiológica ou funcional), ou seja, às tarefas comuns e indiferenciadas da vida diária, corrente e que interessa a todos os indivíduos, independentemente da sua idade ou profissão, mas no que à repercussão na actividade profissional diz respeito, as sequelas sofridas pela Autora implicam esforços acrescidos no exercício da sua actividade profissional, embora compatíveis com o seu exercício, porque não tendo as lesões repercussão profissional, não ocorrendo perda objectiva da capacidade de ganho (a lesada mantém-se apta para o exercício da sua profissão), o ressarcimento do dano patrimonial futuro só se poderá fundar nas consequências negativas a nível da sua actividade geral.

Quid inde?

Por dano biológico deve entender-se qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade, «[C]om efeito, o dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano .O dano biológico constitui, nesta medida, "um dano base ou dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em caso de lesão da integridade físico-psíquica, e sempre lesivo do bem saúde"; se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um "dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento, mas um dano consequência", representando "um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal". Assim, mais do que a afectação da capacidade de ganho, susceptível de se repercutir numa perda de rendimento, que no caso não se provou, importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psico-somático que afecta a disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer actividades do seu dia-a-dia. Trata-se, pois, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a um índice 100 (integridade físico-psíquica total), e não qualquer perda efectiva de rendimento ou da concreta privação da capacidade de angariação de réditos. É este o entendimento que tem vindo a prevalecer na doutrina e na jurisprudência», apud Ac STJ de 13 de Maio de 2014 (Relator Pinto de Almeida, aqui primeiro Adjunto), in SASTJ.

Daí a afirmação de que o dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.

Em suma, se não existir o dano biológico no caso concreto, não há dano ressarcível; se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele biológico e sendo a saúde um direito fundamental do cidadão, previsto expressamente no artigo 25º da Constituição, o qual é tutelado pelo direito, contra qualquer tipo de agressão.

Ora, no caso, a Recorrente insurge-se contra a atribuição de uma indemnização a este título, porquanto na sua tese, não tendo a Autora, aqui Recorrida, sofrido qualquer redução na sua capacidade produtiva, não se poderá concluir pela existência de um dano biológico indemnizável.

No Aresto impugnado teve-se em consideração para a fixação da indemnização questionada que «[N]o que se refere ao dano patrimonial futuro decorrente da perda de capacidade de ganho, está provado que, por causa das lesões e sequelas sofridas, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, sequelas que implicam esforços acrescidos no exercício da sua actividade profissional, em que necessita de mais tempo para a execução das tarefas laborais.».

Quer dizer, seguiu-se o entendimento prevalente neste Supremo Tribunal de Justiça que o dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitando de um maior empenho, de um estímulo acrescido, cfr Ac STJ de 4 de Outubro de 2005 (Relator Fernandes Magalhães), 4 de Outubro de 2007 (Relator Salvador da Costa), 21 de Março de 2013 (Relator Salazar Casanova), de 2 de Dezembro de 2013 (Relator Garcia Calejo) e de 25 de maio de 2017 (Relatora Graça Trigo), in www.dgsi.pt.

In casu, estamos face a um dano que se irá reflectir no futuro, perfeitamente previsível, porque irá influir directamente na actividade psicossomática da Autora, não só no esforço acrescido para desempenhar a sua função normal, como também, na evolução normal da sua carreira, a qual se ressentirá necessariamente, pois traduz um défice funcional permanente, repercutindo-se na sua qualidade de vida, presente e futura, e, nesta perspectiva, consideramos o dano biológico como dano patrimonial, atendível pelo direito em termos de ressarcimento autónomo, não nos merecendo qualquer ajuste a indemnização fixada pelo segundo grau.

1.3.Da indemnização para compensar a necessidade de recurso a uma empregada doméstica.~

Insurge-se ainda a Recorrente no que tange à verba de € 33,792,00, atribuída à Autora, a título de indemnização pelo dispêndio com empregada doméstica, considerando a esperança média de vida da Recorrida, uma vez que tendo por base o acervo factual que se demonstra consolidado, é entendimento da ora Recorrente que, considerando as lesões sofridas por aquela, não decorre que a mesma tenha ficado a necessitar de ter ajuda permanente computada num acréscimo de quatro horas semanais para a realização das tarefas domésticas até ao final da sua vida, tanto mais que a não se viu impedida de praticar os actos normais da vida corrente, muito embora tenha ficado a padecer de uma limitação no movimento de abdução do braço direito, sendo do conhecimento comum que a realização das mais elementares tarefas domésticas não exigem um esforço tal que impliquem aquele acréscimo do horário semanal.

Ex adverso do sustentado pela Recorrente, a factualidade apurada, decorrente dos artigos 60º a 66º e 69º da Petição Inicial, indica-nos precisamente o contrário:
«A demandante viu-se obrigada a recorrer a uma pessoa da sua confiança para efectuar as limpezas e restantes lides domésticas mais pesadas em sua casa com frequência superior à que tinha até à data do acidente (art. 60º da petição inicial).»
A demandante já tinha uma mulher-a-dias que ia a sua casa cinco horas por semana (art. 61º da petição inicial).
Após o acidente, e em consequência das suas limitações físicas, a demandante viu-se obrigada contratar a referida mulher-a-dias durante mais horas por mês (art. 62º da petição inicial).
Para fazer as tarefas que não consegue realizar sem dor e esforços acrescidos, decorrentes das sequelas supra-referidas (ponto 27), que impliquem sobremaneira o uso do braço direito, como por exemplo, aspirar, limpar, passar a ferro e estender roupa (arts. 63º e 64º da petição inicial).
Sendo que, agora, a referida senhora trabalha mais quatro horas por semana (art. 65º da petição inicial).
E que a demandante paga 4,00 € por hora (art. 66º da petição inicial).
Projectando a necessidade de tal pessoa até ao final dos seus dias (art. 69º da petição inicial).»

Daqui deflui que a Autora/Recorrida irá necessitar até ao final da sua vida da ajuda de uma pessoa para efectuar as lides domésticas e limpezas em sua casa, com uma frequência superior à que carecia anteriormente ao acidente, mostrando-se, desta sorte, plenamente justificada a indemnização atribuída, soçobrando, neste particular as conclusões de recurso, que aliás são estribadas em meras suposições da Recorrente, que não têm qualquer arrimo na materialidade apurada.

Improcedem, assim, in totum, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2017

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Graça Amaral



Fonte: http://www.dgsi.pt