TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE
Acórdão
ADMINISTRATIVO
Processo

00078/10.9BECBR

Data do documento

10 de março de 2017

Relator

Frederico Macedo Branco


DOWNLOAD              

IMPRIMIR              

PARTILHAR              

COPIAR              

TAMANHO DE LETRA              



RELEVÂNCIA


Descritores

Saneador/sentença
Construção em terreno alheio
Fixação da matéria de facto


Sumário

1 – Estando objetivamente em causa a suposta edificação em terreno parcialmente titulado pelos aqui Recorrentes, sem que em momento algum os mesmos tenham dado o seu consentimento à mesma, não se mostra legitimo que um qualquer tribunal determine conclusivamente a absolvição da instância, designadamente do município que licenciou essa construção, sem cuidar de verificar os pressupostos e factos em que tal assentou, e sem que tenha efetuado uma análise rigorosa da factualidade e dos efeitos dos invocados vícios.
2 - O licenciamento de edificação em terreno, ainda que parcialmente, alheio aos requerentes, é inexistente ou ineficaz em relação aos proprietários que não intervieram no procedimento, tudo se passando, mutatis mutandis, como no caso de venda de coisa alheia.
3 - No que concerne à matéria de facto provada, prevê-se no art.º 662º do CPC, que em recursos de decisões do tribunal a quo, a instância de Recurso poderá anular a decisão proferida, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta. Se essa possibilidade existe quando se está perante uma mera deficiência, obscuridade ou contradição, por maioria de razão existirá essa possibilidade de anulação quando exista uma total falta de discriminação dos factos provados.
4 - A falta de julgamento dos factos necessários à decisão da causa constitui nulidade de conhecimento oficioso, em termos idênticos à nulidade prevista nos atuais artigos 682.º e 683.º do Código de Processo Civil.
5 - A absolvição da instância declarada pelo tribunal a quo, não surge do nada, antes devendo ser, se for caso disso, declarada em função dos factos e circunstâncias concretamente verificados.
Sem fixação de matéria da matéria de facto, designadamente provada, mostra-se impraticável sindicar adequadamente o juízo que determinou a determinada absolvição da instância.*
* Sumário elaborado pelo Relator.

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
LFBR e cônjuge HMAMR, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município de Góis, “tendente à declaração de nulidade de todas as licenças, e dos despachos que as concederam nos processos … identificados, condenando-se o Município de Góis a demolir todo o edificado … bem como … a indemnizarem os AA em 35.000€ pelos danos que lhes foram causados …”, inconformados com o Saneador/Sentença proferido em 15 de dezembro de 2015, que absolveu o Réu e os Contrainteressados da instância, vieram interpor recurso jurisdicional, em 29 de dezembro de 2015, tendo concluído:
“1. O “Saneador-Sentença”, estribou-se e, essencialmente, fundamentou-se na existência e/ou junção do Processo Administrativo.
2. Os AA, aqui Recorrentes nunca foram notificados da sua junção, Nunca foram notificados para se pronunciar sobre o mesmo. Não acederam ao PA. (Apesar de terem efetuados vários pedidos de certidão do mesmo junto da Edilidade, o facto é que vários documentos sempre lhe foram sonegados).
3. E só agora, com a prolação do presente “saneador-sentença” é que tiveram conhecimento da existência e junção do PA (Não do seu conteúdo).
4. Os AA/ Recorrentes encontram-se, impossibilitados de se pronunciarem, quanto á junção do processo administrativo, por desconhecimento da sua junção, bem como do teor dos documentos que o compõem.
ASSIM, em face do exposto e uma vez que tal processo administrativo foi tido em conta para a decisão final, foi suscetível de influir no exame e na decisão da causa; isto é, interveio nos contornos factuais e jurídicos em que assentou o “saneador-sentença”. Sendo certo que só agora, com a notificação do “saneador-sentença” tiveram os AA/Recorrentes conhecimento da sua junção, conclui-se que:
a) Foi proferida a chamada decisão – surpresa – uma vez que aquela se baseia em fundamentos que não foram previamente notificados e concedido prazo para pronuncia pelos AA/Recorrentes, e
b) Não ter sido assegurado o respeito pelo Princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes, nos termos da exigência dos artigos 3º, n.º 3, e 415.° do CPC, aplicável pelo artº. 1 CPTA. NO ENTANTO, e sem detrimento do exposto:
5. Não se compreende, em concreto, o que “Saneador-Sentença” considera inepto ao nível da indemnização. No entanto, presume-se que se pretende a ineptidão da causa de pedir no âmbito indemnizatório formulado pelos AA/Recorrentes.
6. Entende-se que o pedido e a causa de pedir não comportam qualquer ineptidão, pois:
7. Os AA/Recorrentes invocam factos que se enquadram no âmbito da ilicitude, através de ações e omissões violadoras dos princípios e regras constitucionais, legais e regulamentares. Ilicitudes essas que resultaram numa ofensa dos direitos ou interesses dos AA/Recorrentes e que se encontram legalmente protegidos. Originando condutas ilícitas geradora de dano e, consequentemente, suscetível de reparação.
8. Ora, sabendo-se que a causa de pedir é “o próprio facto jurídico genético do direito, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como criadora de direitos, abstração feita da relação jurídica que lhe corresponda”.
9. Que os AA, invocaram um conjunto de factos concretos, que subsumidos a normas de direito substantivo, são aptos à produção do efeito que pretende fazer valer.
10. O “saneador-sentença” fundamentou a ineptidão da causa de pedir, dizendo que: “os autores referem-se tanto á responsabilidade por factos ilícitos, como responsabilidade objetivo, bem como pelo sacrifício”.
11. Os AA/Recorrentes, invocaram e imputaram os factos e os danos a título de/a responsabilidade do Estado, bem como a responsabilização de funcionários, descrevendo com alguma evolução legislativa e reguladora dos atos de licenciamento e de responsabilização, concluindo a querer fazer valer o seu direito ao ressarcimento pelos danos sofridos em consequência de atos e omissões ilícitas, efetuados por órgãos e/ou agentes administrativos, no exercício das suas funções, e por causa desse exercício.
12. E, não se nega que estamos em face a uma enquadramento jurídico complexo e que a Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, dependendo da perspetiva em que for analisada, ou enquadrados os factos, pode apresentar-se sob várias espécies, MAS esqueceu o M. Juiz à quo, que o atual art. 5.º, n.º 3 CPC, que consagrar a regra iura novit curia, refere que: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”; ou, dito de outro modo, o M. Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
E, neste âmbito, entende-se que o “Saneador-Sentença”, violou não só o artº. 5, nº3 do CPC, mas também um dos princípios enformadores da reforma do contencioso administrativo, ínsito, v.g., nos arts. 6º/2 CPC e 1.º e 7º CPTA – o princípio pro actione, anti formalista ou do favorecimento do processo; e do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça administrativa (cfr. artigos 20.º, n.º5 e 268.º, n.º 4 da C.R.P.).
13. Refere o “Saneador-sentença” que os AA/Recorrentes “não dizem em concreto que crime ou crimes terão sido integrados pelos atos impugnandos”, entrando em contradição com o que consta dos artºs. 30, 55, 56 e 57 da P.I. a enunciação do crime de “falsas declarações”, p.p. no artº. 348-A CP, ou ainda apresentação e utilização de documentação falsa, p.p. pelo artº. 256 CP.
14. Cabendo, salvo melhor entendimento, ao M. Juiz, ao abrigo do Principio da Legalidade, e do seu objetivo, denunciar ao MP todo e qualquer crime que tomasse conhecimento no exercício das suas funções e/ou por causa delas, ordenando a extração de certidão com vista à instauração de procedimento criminal; como, aliás, foi requerido, mas negada tal pretensão!
15. Refere o “saneador-sentença” a fls.13 a referir que: “ os Autores alegam norma, nem tais diplomas ou outros diplomas legais coevos contêm norma que comine expressamente a nulidade ….”, o que não se mostra verdadeiro face aos artº.56, 57, ou 67 da P.I., todos eles em sublinhado!
16. Aliás, os AA/Recorrentes, não só invocaram factos, como os integraram em NULIDADE por terem por base, conteúdo ou objeto um crime, bem como são nulos os atos cujo objeto constitua um crime, e por se encontrar estatuída a NULIDADE para os “atos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável”, bem como os que “Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis”.
17. No “Saneador-Sentença” consta como factos provados nos nº1 e 4 que foi requerida a “atribuição de um licença para levar a efeito obras de construção de uma casa de habitação” num terreno “inscrito na matriz rústica….”.
18. A classificação do solo (em rústico, urbano) é determinado pela Lei geral quer das políticas públicas, quer do Ordenamento do Território e do Urbanismo, e assenta na distinção de que o solo é aquele para o qual é reconhecida vocação para produções agrícolas, pecuárias, florestais, mineiras e espaços naturais de proteção e lazer (e não a vocação para o processo de urbanização e de edificação).
19. Sendo que essa política de ordenamento do território e de urbanismo assenta nesta gestão territorial que se organiza em âmbitos: nacional, regional, intermunicipal e municipal, sendo este último concretizado através dos seguintes planos: plano Diretor municipal, planos de urbanização e planos de pormenor.
20. Assim, a classificação e a qualificação do solo, neste caso, como rústico, foi feita de acordo, não só com o destino basilar do terreno, mas também conforme a opção do Planeamento do Território.
21. Logo, a autorização de construção violou também a Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanização e a edificação urbana, bem como o próprio Plano Diretor Municipal de Góis, de cumprimento obrigatório e cuja sanção é a NULIDADE.
22. Sendo que no RJEU pode ler-se: "São nulas as licenças, a admissão de comunicações prévias ou as autorizações de utilização previstas no presente diploma que: Violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença de loteamento em vigor", bem como são nulos os atos cujo objeto seja impossível – artº. 161 CPA .
23. No “Saneador-Sentença” consta como factos provados nos 8 e 9 que a área de construção a utilizar “era de 197 m2”, mas “um funcionário do Município, engenheiro técnico”, afirma que a área de habitação é de “330,00m2”.
24. A Câmara Municipal de Góis responsável não deferiu uma tal alteração, e assim a obra realizada encontra-se em desconformidade com o eventual projeto apresentado cuja área de construção era de 197m2 e não quase o dobro desta.
25. Competia assim á CMG, no exercício do poder que lhe estava cometido e ao abrigo dos poderes da completa reposição da legalidade urbanística, instaurar um processo contraordenacional, por as obras de construção civil efetuadas se encontrarem em desacordo com o projeto aprovado, com a consequente aplicação de uma coima.
26. Constando do RGEU que "as câmaras municipais poderão ordenar, independentemente da aplicação das penalidades referidas nos artigos anteriores, a demolição ou o embargo administrativo das obras executadas em desconformidade", e no RLOP que “O presidente da câmara municipal, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei e outras entidades, pode ainda, quando for caso disso, ordenar a demolição da obra e ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras referidas no artigo anterior, fixando para o efeito o respetivo prazo”
27. Esta vinculação mereceu já concretização jurisprudencial, tendo o Supremo Tribunal Administrativo decidido que "caso os particulares ou pessoas coletivas procedam a construções sem licença ou com inobservância das condições desta, dos regulamentos, posturas municipais ou planos diretores, de urbanização ou de pormenor em vigor, devem as câmaras municipais, no exercício de um poder vinculado, ordenar a demolição dessas construções" (cfr. Acórdão de 6-11-1990, in Atualidade Jurídica, Ano 2).
28. Estando a construção em desacordo com o projeto de arquitetura, é uma construção ilegal ou clandestina, não havendo que distinguir as obras realizadas sem prévia licença municipal das obras que se não conformam com a mesma licença pois, em ambos os casos, estamos perante obras de construção não autorizadas e ilegais.
29. Chegados aqui, importa ainda referir que - a legalização da obra não se presume. E, como escreve Cláudio Monteiro, “a Administração pode pura e simplesmente tolerar a existência da obra ilegal, limitando-se a não intervir enquanto isso não se revelar necessário ou conveniente. Em princípio, a obra não é implicitamente legalizada pelo facto de ser tolerada por um período mais ou menos longo, não prescrevendo o poder administrativo de ordenar a sua demolição. A competência administrativa é, como se sabe, imprescritível” .
30. No “Saneador-Sentença” consta como factos provados nos 4, 7 e 10 que “A…… casado com LMRGF requereu à Câmara… a atribuição de uma licença”, cujo “processo de licença para Obras nº149 foi tramitado pela … e aqui contrainteressada LMRGF” e “a aqui LMRGF lavrou a Informação”.
31. Sendo que os AA/Recorrentes invocaram e apresentaram documentação de outras intervenções de LMRGF, que é funcionária da CMG, onde correu o processo de obras. (Veja-se artº. 63, 72, 75, 79… da P.I.), sendo que sobre isso o “Saneador-Sentença” mais nada diz, nada aprecia!
32. Note-se que, estamos face a uma funcionária, LMRGF, que é funcionária camarária, que exerce funções na CMG e estava casada com António - pessoa que pediu a licença de construção - e que, por isso se encontrava OBRIGADA a não intervir no processo, podendo e devendo o processo ser entregue, apreciado e tramitado por outra pessoa.
33. Esquecendo o “Saneador-Sentença” o artº. 69 do CPA, onde se pode ler que: “os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo … Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa; Quando, por si ou como representantes ou gestores de negócios de outra pessoa, nele tenham interesse o seu cônjuge…”,
34. Bem como o facto de se estar em face a uma autarquia local, cujo Município é relativamente pequeno e onde o poder do funcionário que pede a licença é o mesmo que o despacha, numa circunstância facilitadora de quem tem interesse no procedimento administrativo é a mesma pessoa que intervém no processo, numa clara manifestação da crise de valores ou de desvalor da sua ilegal atuação.
35. E, como refere o Ac. do TCAS 06062/02 de 20-12-2006 “visa a concretização de uma das garantias preventivas da imparcialidade, que norteiam a atividade da Administração e também o procedimento administrativo, e encontra a sua consagração no artigo 266º, nº 2 da CRP, e reafirmação no artigo 6º do CPA. É uma norma de proibição que visa assegurar a isenção e independência da autoridade decidente”.
36. Sendo que a doutrina entende que o conceito de intervenção não se deve cingir apenas à fase da decisão mas deve também abranger todos os procedimentos de instrução da mesma bem os atos de execução da decisão. (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2 ª edição).
37. Refira-se que competia ao presidente do órgão conhecer da existência do impedimento, declará-lo, o que não ocorreu, representando isso uma clara violação das regras constantes do CPA sobre impedimentos. Havendo que tipificar o comportamento e a conduta do funcionário e/ou titular de cargo político.
38. ASSIM e ao contrário do que consta do “Saneamento-Sentença” e somente ao abrigo dos factos considerados provados, parecem existir então indícios de alguns crimes (que produzem a nulidade dos atos cujo objeto ou conteúdo seja determinado pela prática de um crime), como: - “Violação de regras urbanísticas”, p.p. no artº. 278.º-A do CP e o crime de “Abuso de poder” p.p. no artº. 382.º do CP por “funcionário abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa”.
39. No “Saneador-Sentença” consta como factos provados:
-O Facto nº12 refere documentação não assinada.
-O Facto nº13 e 17 refere despachos sem fundamentação legal.
-O Facto nº13, 20, 21, 22, 23, 24 e 15 referem despachos decisão “sem fundamentação”
40. Estando verificada uma CLARA OMISSÂO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÂO. Ou seja, ao longo do procedimento administrativo são várias e sucessivas as decisões sem qualquer fundamento ou exposição de razões ou motivos, quer de facto quer de direito, que conduzissem o órgão administrativo à prática daquele ato, ou daquela emissão.
41. Desconhecendo-se os motivos de facto e de direito que determinaram o seu autor à prolação dos atos e decisões, uma vez que não se enuncia expressa e sucintamente as razões ou motivos de facto e de direito do ato administrativo, desconhecendo-se o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a “decisão”. SENDO ESTE um dever e um objetivo essencial na defesa do interesse público, na defesa do administrado e de autocontrolo da Administração e de aplicação do Principio da Legalidade.
42. Olvidando o presente “saneador-sentença” que a fundamentação dos atos, não é uma mera questão formal; mas que visa captar a transparência da atividade administrativa, constituindo um importante sustentáculo da legalidade administrativa e um instrumento fundamental da respetiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral para a interpretação do ato administrativo, e da sua função.
43. Esquecendo por completo, não só a subordinação do poder local ao princípio da legalidade, este problema nem deveria existir, tendo em conta que a Constituição da República Portuguesa (CRP) preceitua no seu artigo 65.º, n.º 4, e a conformidade com os interesses gerais e na prossecução do interesse público, como os artigos n.ºs 68.º, 69.º e 122.º do RJUE, onde se esclarece que prevalece a nulidade prevista no artigo 68.º deste diploma, sobre o ato anulável, previsto no artigo 135.º CPA.
44. Aliás, fazendo-se apelo à jurisprudência constitucional, nomeadamente, ao acórdão do TC n.º 598/08 (Proc. n.º 1111/07).
45. Pode ler-se, ainda nos factos provados do nº15 a 25 do “saneador-sentença”:
-Foi emitida ao Requerente o Alvará nº180 de 03.09.1984 até 01.11. 1984.
-A 06.11.1984, SEM FUNDAMENTO, o requerente solicita a renovação da licença.
-NESSE MESMO DIA, foi deferido SEM FUNDAMENTAÇÂO, a renovação até 31.12.1984.
-A 13.08.1986, o requerente, SEM FUNDAMENTAÇÂO pede a renovação dessa mesma licença
-OUTRA VEZ, NO MESMO DIA, SEM FUNDAMENTAÇÂO é renovada a licença até 10.11.1986.
-A 13.11.1986, SEM FUNDAMENTO, o requerente solicita a renovação da licença
-OUTRA VEZ, NO MESMO DIA, SEM FUNDAMENTAÇÂO é deferido o pedido, renovando-se a licença até 08.02.1987
-A 10.02.1987, SEM FUNDAMENTAÇÂO, o requerente solicita nova renovação da licença
-E, OUTRA VEZ, NESSE MESMO DIA, SEM FUNDAMENTAÇÂO, renova-se a licença até 10.03.1987
46. E, sobre estes factos, estranhamente, entendeu o “saneador-sentença” nada dizer, nada analisar, nem mesmo sobre a, novamente, TOTAL AUSENCIA DE FUNDAMENTAÇÂO.
47. A lei diz: “A licença de construção caduca se as obras não forem concluídas no prazo fixado na licença”.
48. E, as datas das autorizações, das designadas renovações de licença, ocorreram quando a licença já havia caducado!
49. Uma vez caducada a licença de construção, o procedimento conducente à emissão de nova licença obedece aos requisitos da lei vigente à data da apresentação do requerimento respetivo, não sendo aproveitáveis os pareceres, autorizações e aprovações legalmente exigidos e que informaram o anterior procedimento.
50. POR CONSEGUINTE, os pedidos sucessivos de renovação da licença, incorretamente qualificados, só podem ser entendido como um pedido de licenciamento ex novo.
51. PELO QUE se mostrava e mostra legalmente impossível a prorrogação dos respetivos efeitos. PORTANTO, o ato a que impropriamente se designou de renovação da licença, apresenta um objeto impossível; e, como tal é nulo (art. 161º, n.º 1, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo).
Ora, o “Saneador-Sentença” nada mais diz, não APRECIA, não retira ilações, efeitos, conclusões ou integração em norma legal, sobre os factos que considerou provados e que se invocam nos pontos 17, 23, 30, 39 e 45 destas conclusões!
ASSIM, para além de não ter efetuado qualquer exame critico das provas; existem factos, existe prova considerada provada e apesar da sua relevância, tudo sucede como se ela não existisse! E, a valoração da prova deve encontrar-se, necessariamente, na sentença, permitindo às partes conferirem que a convicção foi extraída dos autos e que os motivos que o levaram a determinada sentença chegam racionalmente à conclusão exposta pelo magistrado.
Ora, “A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correção.” – Ac do TRC de 07-05-2013
Entendendo-se que foram violados, nomeadamente os art. 205.º, n.º 1, da CRP e o nº4 do artº. 607 CPC, que prevê que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas”
52. ACRESCE AINDA QUE, o M. Juiz não apreciou factos (provados por documento) e questões que devia apreciar e que se mostram essenciais e fundamentais para uma Justa Decisão.
53. Os AA/Recorrentes provaram e invocaram que do processo no qual foi concedida a Licença/alvará de construção “não consta nenhum documento de titularidade”.
54. Ora, apesar da regra da submissão exclusiva das licenças às normas de direito público, a necessidade de comprovação da legitimidade do requerente não se encontra excluída do procedimento de licenciamento.
55. A lei exige que o requerente da Licença/alvará de construção, no requerimento inicial, não só invoque a titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística, MAS TAMBÈM que faça prova da titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão. Exigindo-se a consequente apreciação da titularidade do direito.
56. Desta forma, não pode o presidente da Câmara deixar de apreciar a falta de apresentação de documento comprovativo das qualidades que invocava, como um pressuposto do procedimento. Pressuposto esse que, ao abrigo do artº. 109 do CPA é um elemento cuja não verificação impede uma decisão de fundo por parte da Administração.
57. Nada impedindo até, quem sabe com o recurso ao artº. 115 nº1 CPA que prevê que “O responsável pela direção do procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.”
58. Entendendo a Doutrina, por exemplo nas palavras de Alves Correia que “deve o pedido ser rejeitado ….quando não for apresentado documento comprovativo da qualidade invocada pelo requerente”, ou a Profª. Fernanda Paula Oliveira que conclui que neste tipo de casos o procedimento não deve prosseguir, devendo extinguir-se na fase de saneamento, não só quando o requerente não faça prova da sua legitimidade mas também quando resulte claramente dos documentos entregues que ele não é titular do direito que invoca ou quando o direito que invoca não lhe permite realizar a operação urbanística.
59. ASSIM, em face desta omissão de elemento essencial, o atribuição da licença/alvará é um ato nulo, pois entende-se que o CPA não reservou para o legislador a definição de todos os vícios geradores de nulidade, deixando para o juiz e para a doutrina a tarefa de identificar o que é, em cada caso, um elemento essencial de um ato administrativo; e é justamente neste ponto que, quanto a nós, se deve entender a figura da nulidade por natureza.
60. Existindo sanção, não só para o particular que leve a efeito operação urbanista sem que para tal tenha legitimidade, como para o titular de cargo público político que conscientemente conduziu e/ou decidiu contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções e de por essa forma prejudicou ou beneficiou alguém.
61. Aliás, como se pode ler na Revista do CEJ n.º 1 de 2013, que se “por um lado o legislador penal optou por criminalizar a conduta do funcionário que atue no âmbito do procedimento de controlo prévio, em desconformidade com as normas urbanísticas. Por outro lado, no âmbito jurídico-administrativo, o legislador estabeleceu mecanismos procedimentais que… potenciam uma cada vez maior responsabilização do particular quanto ao destino final do próprio procedimento em que seja interveniente… Assume relevância, neste contexto, os “termos de responsabilidade” previstos na lei… e a natureza de fundamento bastante que assumem, por exemplo, para a concessão de autorização…” (bold e sublinhado nosso).
62. Os AA/Recorrentes provaram e invocaram que “no âmbito da construção da habitação, foi proferida informação onde consta: “Não pode ser concedida licença sem que o projeto receba parecer favorável …..”
63. Ora, prevê o RJUE que são cominados com o desvalor da nulidade “… as licenças ou autorizações previstas no presente diploma que: Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações …”.
64. Os AA/Recorrentes provaram e invocaram que, no dia em que foi passada a licença de obra, presume-se que antes, deu entrada um documento no qual se pode ler “AEAF, motorista de pesados, declara …que as obras…. Serão efetuadas pelo seu próprio punho!”.
65. Ora, o acesso e permanência na atividade de construção implica habilitações, conhecimentos e a experiências adequados à execução dos trabalhos enquadráveis. Ou dito de outro modo, as obras de urbanização e edificação impõem um técnico habilitado, pela solidez e estabilidade dos trabalhos efetuados e que é EXIGIVEL como elemento para a própria perfeição do ato de licenciamento ou de autorização. Para além de que devem constar a subscrição de declarações e os termos de responsabilidade respetivos, por pessoa habilitada e com qualificação profissional, que se desconhece se existem.
66. Mas ao contrário do Principio da Legalidade, entendeu, estranhamente, o Presidente da Câmara, que o Eduardo, motorista de pesados, estava habilitado para assegurar a execução da obra, cumprir o projeto de execução e o cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor.
67. E AINDA, os AA/Recorrentes referem, invocam e provam MUITOS MAIS FACTOS, como: a Câmara Municipal de Góis autorizar a construção de um imóvel, atribuindo a sua licença e o seu alvará de construção, num terreno com uma matriz errada; num processo camarário com Isenção de deliberações obrigatórias da CMG, com confirmação das assinaturas do requerente a serem efetuadas pela mulher deste, funcionária da CMG, e interessada no desfecho favorável do processo camarário, com omissão TOTAL em fundamentação, bem como de apreciações obrigatórias no processo camarário, sem qualquer controlo de legalidade do procedimento, e até acobertando condutas que raiam e se inserem em condutas criminais, nomeadamente, a emissão de falsos documentos e prestação de falsas informações, etc… Condutas que até podem estar prescritas, mas que inquinam e não deixam de influenciar a nulidade do licenciamento da habitação.
ASSIM, e uma vez que o M. Juiz a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e que os AA/Recorrentes submeteram á sua apreciação e deixou de conhecer de questões de que não podia deixar tomar conhecimento, padece o “Saneador-Sentença” de nulidade por omissão de pronúncia (cf. artº 608º nº 2 e artº. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil)
68. Finalmente, afigura-se-nos que o Mº. Juiz à quo, não podia, em sede de “saneador-sentença” julgar procedente a exceção da caducidade, sem proceder a uma análise rigorosa e esclarecedora dos vícios invocados, quando existe, nos autos, abundantemente matéria controvertida, e a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo.
69. Aliás de acordo com a Jurisprudência já firmada e da qual somente se refere o Acórdão do TCA do Sul de 18/10/2007 e de 04/29/2010, que concluem: “Portanto, considerando que foi arguido um vício cuja procedência era geradora da nulidade do ato impugnado, não poderia proceder a exceção da caducidade do direito de ação.”
70. E, mesmo que, se trata-se de um mero caso de anulabilidade, o que não se concebe, importava aferir da data concreto do total conhecimento dos atos. Ora a data do conhecimento não se encontra provada, pois, na carta que consta do artº. 30 para além de ter sido assinada por um A/Recorrente, DENUNCIA a sonegação de informação do PA pela autarquia, PARA ALÈM do que os AA invocam SISTEMÀTICAMENTE na sua P.I., nomeadamente nos artº. 29, 45, 63 e outros, uma dificuldade, senão mesmo um total impedimento do acesso ao PA.
Nestes termos, não ocorreu qualquer caducidade.
ASSIM, NESTES TERMOS e nos melhores de direito que V. Exas se dignarem suprir-lhes
Deve conceder-se-lhe provimento ao recurso e, consequentemente, por:
a) O processo administrativo ter sido levado em conta para a decisão final, tendo influído na decisão da causa, sem ter sido notificados aos AA, aqui Recorrentes
b) O P. A. foi levado em conta, com contornos factuais e jurídicos, nos quais assentou o “saneador-sentença”.
c) Os AA/Recorrentes só agora, com a notificação do “saneador-sentença” tiveram conhecimento da sua junção.
1- Ser o douto “saneamento-sentença” declarado NULO, por violação do Princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes e violação dos artigos 3º, n.º 3, e 415.° do CPC, aplicável pelo artº. 1 CPTA E/OU, ainda
2- Ser declarada a inexistência de qualquer ineptidão da petição inicial, dando-se continuidade ao pedido, incluindo de condenação no pagamento de uma indemnização, por violação dos Princípio pro actione, anti formalista ou do favorecimento do processo; e do Princípio constitucional do acesso efetivo à justiça administrativa e dos artº 5 nº3 do CPC, arts. 6º/2 CPC e 1.º e 7º CPTA, artº. 20.º, n.º5 e 268.º, n.º 4 da C.R.P.
3- Ser o douto “saneamento-sentença” declarado NULO, por omissão de apreciação quer ao nível dos efeitos, conclusões e não integração em qualquer norma legal, bem como a total ausência de qualquer exame crítico de provas e, assim por violação da exigência legal da motivação da decisão sobre a matéria de facto e assim aos abrigo, nomeadamente dos art. 205.º, n.º 1, da CRP e o nº4 do artº. 607 CPC.
4- Ser o douto “saneamento-sentença” declarado NULO, por omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar e que os AA/Recorrentes submeteram á sua apreciação e omissão do conhecimento de questões de que não podia deixar tomar conhecimento, ao abrigo dos artºs.608º nº 2 e artº. 615º nº 1, al. d) do C.P.C.
5- Julgando-se improcedente a exceção da caducidade, por omissão de análise rigorosa e esclarecedora dos vícios invocados, considerando que foram arguidos vícios cuja procedência é geradora da nulidade; bem como, por nítida contradição com matéria provada, não se encontrando provada a data do concreto e total conhecimento dos atos.
DEVENDO, Consequentemente, Senhores Desembargadores
Revogar-se o “saneador-sentença” proferido pelo M. Juiz à quo e condenaram-se os RR, aqui Recorridos no pedido; ou, se assim não se entender, ordenar-se a baixa dos autos para notificação dos AA, aqui Recorrentes, do PA, efetuando novo julgamento e proferindo nova decisão de mérito consoante a petição.”
Por Despacho de 11 de fevereiro de 2016 foi admitido o presente Recurso (Cfr. fls. 629 e 629v Procº físico).
O Ministério Público junto deste TCAN, tendo sido notificado em 9 de janeiro de 2017, veio a emitir Parecer em 16 de Janeiro de 2017 (Cfr. fls. 718 e 719 Procº físico), tendo-se pronunciado no sentido de dever “ser concedido provimento ao recurso, baixando os autos para ser prosseguida a ulterior tramitação”.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, a nulidade do controvertido ato de licenciamento.
III – Fundamentação de Facto
Com relevância para a decisão a proferir, foram em 1ª instância fixados os seguintes factos:
1 - Por óbito dos pais do aqui Autor, LFBR, e no âmbito do Proc. nº 52/04.4TBAGN, que correu termos no Tribunal Judicial de Arganil, foi adjudicado àquele, 1/2 de um terreno sito na freguesia e concelho de Góis, inscrito na matriz rústica sob o artº 15 701, com a área de 1104 m2.
2 - Desse terreno os autores da sobredita herança haviam doado, em vida, com dispensa de colação, à sua filha LBRG a outra metade indivisa.
Cf. Docs, 4 e 5 da primeira PI.
3 - Por sua vez, a sobredita LBRG, em data anterior ao início do sobredito processo de inventário, doou a sua metade no direito de propriedade sobre o referido prédio à sua filha, a aqui CI LMRGF.
Cf. docs. 3 e 4 da primeira PI.
4 - Em 7 de Maio de 1984 AEAF, casado com a referida LMRGF, requereu à Câmara Municipal de Góis a atribuição de uma Licença/Alvará para levar a efeito obras de construção de uma casa de habitação, descritas na memória descritiva então apresentada, juntamente com o projeto der arquitetura, no terreno inscrito na matriz da freguesia de Góis sob o artigo 15701 (cf. P.A).
5 - A Câmara Municipal de Góis abriu os seus trâmites, atribuindo ao Processo de Licença de Obras o nº 149.
6 - O terreno onde iria ser erigido o imóvel encontrava-se em regime de compropriedade.
7 - O Processo de licença para Obras nº 149 foi tramitado pela funcionária administrativa do aqui Réu, a aqui Contra interessada LMRGF. Cf. docs no P.A
8 - No âmbito desse processo, em 23/3/84 deu entrada na sub-região agrária de Coimbra a solicitação de parecer ao Ministério da Agricultura, ao abrigo do D.L.451/82, de 16 de Outubro, cujo teor no P.A. aqui se dá como reproduzida, aí constando que a área a utilizar era de 197 m2, com a finalidade de construção de habitação.
9 - Em 7 de Junho de 1984 um funcionário do Município, engenheiro técnico com a função de informar o decisor do pedido de licenciamento, lavrou a informação cuja cópia é doc. 32 da PI e cujo original se encontra no P.A., que aqui se dá como reproduzida, transcrevendo o seguinte excerto: “Elementos para determinar a taxa a aplicar: superfície: habitação – arrumação 330,00m2”.
10 - Em 7 de Junho de 1984 a aqui C.I. LMRGF lavrou a informação nº 207 dirigida ao Chefe de Secretaria da Câmara, com o seguinte teor:
“Relativamente ao processo de obras em epígrafe, levo ao conhecimento de Vª EXª que o mesmo se encontra em condições de ser deferido. Salvo melhor opinião, é o que me cumpre informar Vª Exª para os devidos efeitos”.
11 - Esta informação foi ainda no mesmo dia verificada por outro funcionário, que lavrou nela o seguinte despacho:
“Concordo, à consideração do Senhor Chefe de Secretaria”.
12 - No mesmo dia, por baixo deste último despacho, alguém manuscreveu mas não assinou, os seguintes dizeres: “Concordo. À consideração do Exmº Senhor Presidente”.
13 - Em 8 seguinte o Presidente da Câmara lavrou sobre a informação vinda a referir, o seguinte despacho: “Deferido”.
14 - Em 12 de Junho foi expedida carta de notificação do sobredito deferimento, cuja cópia no PA aqui se dá como reproduzida.
15 - Foi emitido ao Requerente o Alvará nº 180 de 03.09.1984, válido até 01.11.1984: cf. P.A.).
16 - A 06.11.1984 o CI. AEAF deu entrada a requerimento solicitando, sem alegar qualquer justificação, "a renovação do alvará de licença de obras nº 180 de 3 de Setembro pelo prazo de 60 dias".
17 - No mesmo dia e no rosto do requerimento, foi proferido o seguinte despacho do Sr. Presidente da Câmara: “Deferido” - tendo sido passada nova Licença/Alvará nº 223 de 06.11.1984 até 31.12.1984. Cf. P.A.
18 - A 2/1/85 o CI António deu entrada de novo requerimento pedindo lhe fosse autorizada a interrupção do seu processo de obras por tempo indeterminado, por falta de meios monetários. Cf. P.A.
19 - Nesse requerimento o Sr. Presidente da Câmara exarou nesse mesmo dia o seguinte despacho: “Deferido”. Cf. P.A.
20 - A 13.08.1986 o CI AEAF, dá entrada de novo Requerimento a solicitar, sem alegar qualquer fundamentação, "a renovação do alvará de licença nº 223, pelo prazo de 90 dias”. P.A.
21 - Concedida a prorrogação por despacho do Sr. Presidente da Câmara, sem fundamentação, dado no mesmo dia, foi atribuído ao Alvará o nº 126, de 13.08.1986 a 10.11.1986. Cf. P.A.
22 - Em 13/11/86 dá entrada novo Requerimento do CI a solicitar, sem alegação de fundamentação, “a renovação do alvará de licença nº 126 de 13/8/86”.
23 - No mesmo dia é deferido o pedido pelo Presidente da Câmara, nos seguintes termos: “Deferido” - tendo sido emitido novo alvará, desta feita com o nº 176, válido até 8/2/87.
24 - Em 10/2/87 dá entrada novo Requerimento do CI a solicitar, sem alegação de fundamentação, a renovação do alvará de licença nº 176 de 13/11/86 pelo prazo de 30 dias. Cf. P.A.
25 - Nesse mesmo dia o Sr. Presidente despachou: “Deferido”, seguindo-se a emissão do alvará nº 12 de 10/2/87 até 10/3/87. Cf. P.A.
26 - Em 19/3/87 o CI AEAF requereu a licença de habitabilidade para o “seu prédio abaixo descrito”, que descreveu como “casa de habitação com rés-do chão e 1º andar sito nesta vila a confrontar pelo norte com JM, nascente com MCJSP, sul com Rua e poente com Herdeiros de FR”. Cf. P.A.
27 - A necessária vistoria, conforme nomeação do Sr. Presidente da Câmara, foi levada a cabo por um comissão nomeada pelo Presidente da Câmara e constituída pelo Delegado de Saúde do concelho, de sue nome JMA, por um representante dos Bombeiros Voluntários, de seu nome DRP, e por um Eng.º técnico civil funcionário do Município, de nome CR.
28 - Posto parecer favorável por unanimidade daquele colégio, por despacho de 31/3/87 do Senhor Presidente da Câmara, foi ordenado se passasse a licença requerida, à qual foi atribuído o nº 12/87. Cf. PA.
29 - Na capa do procedimento administrativo tendente à emissão da licença de habitabilidade a identificação do interessado foi feita nos seguintes termos: “AEAF, residente em Góis, freguesia de Góis, concelho de Góis, na qualidade de proprietário do prédio sito em Góis, composto de rés-do-chão e andar”. Cf. PA.
30 - Em 4 de Setembro de 2009 deu entrada nos serviços da Câmara Municipal do Réu uma carta assinada pelo Autor marido e dirigida ao Sr. Presidente da mesma Câmara, a qual carta integra agora folha não numerada do P.A e aqui se dá pro reproduzida, transcrevendo-se apenas o seguinte excerto:
Exmo. Senhor
Requeri e obtive dessa edilidade, em substituição de uma outra anterior, a certidão de que junto cópia, a qual ainda não expressa a total realidade que consta do acima identificado processo porque ele foi, de facto, iniciado pela v/ funcionária LMRGF; e dele consta, pelo menos, a indicação da matriz do terreno como sendo, ou tendo sido o artigo 15 701 onde, efetivamente, se encontra implantada uma construção; construção essa que, em parte, se encontra falsamente matriciada com outra localização e identificação. (docº 1)
Sucede que o signatário é o comproprietário do alegado terreno desse processo, e não deu qualquer consentimento a essa CM. de Góis ou a qualquer pessoa, (singular, coletiva ou pública) e muito menos ao AEAF, para essa construção, pelo que houve e há má-fé deste, da sua mulher e do então presidente dessa Câmara nessa promoção.
E sendo embora verdade que o edificado nesse terreno, pertence, na mesma proporção do terreno ao signatário devido à estabelecida relação de acessão industrial dessa construção. a verdade é que o signatário não concorda com essa situação, pelo que o referido ato de licenciamento dessa Câmara é material e formalmente nulo! Nulidade essa que é invocável, por qualquer meio, a todo o tempo, e em qualquer situação, por qualquer interessado na sua invocação.
E assim sendo, o signatário, nessa qualidade, vem invocar a nulidade e/ou inexistência do alegado ato viciado em questão junto dessa Instituição.
Aliás, o ato referido, além de nulo, é ineficaz! Uma vez que não pode produzir os efeitos jurídicos próprios da situação, dada a ilegalidade da sua formação.
Mas invoca também a responsabilidade administrativa e penal da v/ funcionária LMRGF, e de todos os agentes funcionários dessa Câmara que participaram nessa promoção; incluindo, naturalmente, o então presidente dessa C.M.G., Augusto Nogueira Pereira; e, ainda, a responsabilidade civil dessa Câmara Municipal de Góis pelos danos resultantes desse alegado ato que, em termos legais, constitui uma verdadeira aberração.
Nesse pressuposto, e tendo em vista alcançar uma solução para o ato em questão, colocou-se ao signatário, sem prejuízo da declaração da nulidade do ato atrás enunciado,
a) Ou negociar com essa Câmara, que agregará a si, para esses efeitos, os usurpadores/criadores da situação, uma solução para a legalização do mesmo, a partir da base legal possível que lhe dê suporte, com os elementos essenciais para essa correção; ou
b) Ainda na base da negociação, manter-se o ato nulo, devendo essa C.M. de Góis indemnizar o signatário pelos danos materiais e morais que tal ato lhe está a causar, a ser objeto de apreciação; ou
c) Em alternativa, ser o caso colocado em contencioso para que, reforçadamente seja declarado o efeito "ex tunc" do ato em questão, e para que ao signatário seja arbitrada a respetiva indemnização.
(…)
31 - A Primordial petição inicial destes autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido, deu entrada em 20/1/2010.
32 - Na sequência de absolvição do Réus da instância pelo despacho saneador sentença de 14 de Março de 2011, cujo teor, que aqui se dá como reproduzido, lhes foi notificado por carta registada de 28 seguinte, os Autores, em 4/4/2011, apresentaram a petição inicial sub judice, cujo teor aqui também se dá por reproduzido.”
III – Do Direito
Os Autores, aqui Recorrentes vêm interpor recurso da sentença que, designadamente, absolveu o réu e contrainteressados da instância por caducidade do direito de impugnação dos atos objeto de impugnação.
No que ao “direito” concerne, e no que aqui releva, expendeu-se em 1ª Instância:
“(…)
Da ineptidão da petição inicial:
Nos termos da alínea a) do n° 2 do artigo 193º do Código de Processo Civil [CPC], diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Não obstante uma petição inicial tão extensa quão desarrumada, é possível descortinar que os autores pretendem impugnar determinados atos administrativos, com fundamento em vício de nulidade cuja causa última residirá não só em não ser o terreno objeto do licenciamento propriedade do CI AEAF, se não da CI LMRGF, sua mulher, mas em compropriedade com o Autor marido, como também no facto de o ato de licenciamento e os mais atos impugnados, que se lhe seguiram, constituírem crime que não especificam, bem como pretendem obter a condenação da entidade demandada a repor a situação que existiria se os referidos atos administrativos não tivessem sido praticados.
Sem discutir o bem fundado destes pedidos, certo é que em tese os Autores alegam, nesta parte, causa de pedir e pedido inteligíveis e não contraditórios.
Já quanto ao pedido de condenação no pagamento de uma indemnização, a petição é de facto inepta, já que nela não se percebe qual a modalidade de responsabilidade (os autores referem-se tanto a responsabilidade por factos ilícitos, como responsabilidade objetiva, bem como pelo sacrifício), nem se concretiza quaisquer danos, nem se descortina por que razão se pede a quantia peticionada a este título.
Em conclusão, bem pode dizer-se que nesta parte inexiste causa de pedir.
Nestes termos considero a petição inepta no que diz respeito ao pedido indemnizatório.
(…)
Da caducidade do direito de ação:
Os autores ancoram os pedidos formulados, de declaração de nulidade e conexos, essencialmente e em ultimo termo, no facto de o prédio para onde foi licenciada a construção da casa de habitação dos CIs não ser propriedade do CI marido, nem mesmo da CI mulher, já que apenas teriam um direito a uma quota-parte indivisa do prédio, juntamente com o Autor marido.
Também arguem uma divergência entre a área de construção comunicada ao Ministério da Agricultura para efeito de obtenção do parecer favorável, por um lado, e a que terá sido objeto do alvará de licenciamento, por outro.
Depois alegam a ilegalidade das sucessivas renovações por serem emitidas depois de caducar a anterior licença.
Dir-se-ia entenderem que estas alegadas ilegalidades são causas da nulidade do licenciamento primordial e da nulidade das renovações, enquanto atos consequentes e em si mesmas, nos termos da conjugação da segunda parte do nº 1 do artigo 133º do CPA de então com alguma disposição expressa, quiçá do regime de licenciamento de obras particulares em vigor ao tempo dos atos.
Tal regime era o constituído pelo DL nº 166/70, de 15 de Abril, e pelo Regime Geral das Edificações Urbanas – RGEU – DL nº 39 382 de 7/8/1951.
Ora, nem os Autores alegam norma, nem tais diplomas ou outros diplomas legais coevos contêm norma que comine expressamente a nulidade a ato de licenciamento em terreno alheio, ou não exclusivamente do requerente, ou sem estar o procedimento instruído com a prova da titularidade da propriedade do requerente, relativamente ao terreno da obra, ou havendo divergência entre a área de construção submetida a parecer do Ministério da Agricultura e a área objeto da licença, ou tendo sido renovada sem justificação licença já caducada…
Tal como bem argumenta o Réu Município, apenas a anulabilidade, conforme artigo 135º do CPA de então, podia ser assacada ao ato do licenciamento, bem como às sucessivas renovações.
Pretenderão ainda os AA arcar a arguição de nulidade do licenciamento e sucessivas renovações na alegação de as respetivas emissões terem integrado um ou mais tipos de crime, para os efeitos da alª c) do nº 2 do artigo 133º do CPA de então.
Como já se disse, não dizem em concreto que crime ou crimes terão sido integrados pelos atos impugnandos. Parece que o ou os crimes seriam integrados pelo facto de se ter licenciado uma construção em terreno que não era da propriedade do requerente nem propriedade exclusivamente do seu cônjuge.
Porém os factos objetivos alegados, no essencial provados conforme supra, não preenchem só por si a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos (designadamente os necessários dolo, dolo específico ou, nos casos especialmente previstos na Lei, a negligência) de qualquer concreto tipo de ilícito criminal.
Assim, e em suma, não são alegados factos que importem nulidade dos atos impugnados, apenas a anulabilidade pode ser equacionada.
Segundo o artigo 58° do CPTA:
2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) ...
b) Três meses ...
3 - A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações que se encontram previstos no Código de Processo Civil.
Segundo o n° 3 do artigo 59° do CPTA:
3 - o prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados dos atos que não tenham de ser obrigatoriamente publicados começa a correr a partir do seguinte facto que primeiro se verifique:
(…)
c) Conhecimento do ato ou da sua execução.
Ora, resulta claramente do facto provado nº 30 que os Autores em 4 de Setembro de 2009 já conheciam “de fio a pavio” todo o processo administrativo, portanto, por maioria de razão, todas as sobreditas e alegadas causas de invalidade dos atos impugnandos.
Tendo em conta que a ação foi proposta em 20 de Janeiro de 2010, verifica-se, nos termos dos normativos acima assinalados, mesmo descontados os dias de férias judiciais, que à data da propositura do presente processo já estava indubitavelmente ultrapassado o prazo previsto na alínea b) do n° 2 do artigo 58° do CPTA para a impugnação dos atos administrativos.
No que diz respeito ao pedido de reconstituição da situação que existiria se os referidos atos não tivessem sido praticados, fica o mesmo prejudicado, consolidados que estão, os atos, na ordem jurídica.
Como assim, procede a exceção de caducidade quanto ao restante objeto do processo.”
Aqui chegados, verifica-se que, independentemente das prolixas alegações de Recurso, está aqui apenas em causa a declarada ineptidão da petição inicial relativamente ao pedido indemnizatório apresentado e a declarada caducidade do direito de ação, por não ter sido considerada qualquer das invocadas nulidades e a petição ter sido apresentada para além dos três meses previstos na alínea b) do nº 2 do artigo 58° do CPTA.
Da Ineptidão da Petição Inicial
No que concerne à Declarada ineptidão da petição Inicial, relativamente ao pedido indemnizatório apresentado, refira-se que independentemente daquela, sempre o correspondente pedido estaria condenado a ser julgado improcedente, pois que o regime da Responsabilidade Civil constitui um procedimento complexo cujo ónus da prova está em regra a cargo de quem alega os prejuízos, salvo verificando-se uma qualquer situação de inversão do ónus da prova que aqui se não vislumbra.
Com efeito, peticionam os Aqui Recorrentes, na sua PI a condenação do Município e dos Contrainteressados “por responsabilidade civil extracontratual”, decorrente da prática “ilegal e danosa”, o que faz presumir que se tratará de responsabilidade civil decorrente de atos ilícitos.
Acresce que assenta ainda o peticionado no Artº 6º do DL nº 48.051, de 21 de novembro de 1967, então aplicável.
Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos regia-se à data dos factos relevantes, pelo disposto no DL nº 48.051, de 21/11/67, pelo que aqueles serão responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, refira-se ainda que "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077. A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar”.

O facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art.º 6 do DL 48051, de 21.11.67).
A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à ação ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família (art.º 4, n.º 1).

O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano.
De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

Constitui jurisprudência pacífica, designadamente do STA, que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48155).

Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC).

Relativamente ao nexo de causalidade vigora, como se disse, a teoria da causalidade adequada na formulação consagrada no art°563° do CC.

Em qualquer caso, como se refere no Acórdão do STA de 2002.10.02 in Recurso 1690/02:
"(...) a Administração não incorre automaticamente em responsabilidade civil cada vez que pratica um ato administrativo ilegal.”

Com efeito, resulta da conjugação do artº 6° do DL 48.051, de 21.11.1967, com os artºs 2° e 3° do mesmo diploma, que não é qualquer ilegalidade que determina o surgimento de um ato ilícito gerador de responsabilidade.

Para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico, por isso, segundo alguma jurisprudência e doutrina, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional.

Ou seja, é necessário existir “conexão de ilicitude” entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deve ser apreciado caso a caso (cf. Prof. Gomes Canotilho, em anotação ao Ac. STA de 12.12.89 RLJ, Ano 125° p.84 e AC. STA de 31.05.2000, recº 41201).

Sintetizando, refira-se que a responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública do Estado e demais pessoas coletivas por facto ilícito, a que se referem os normativos aludidos coincide, no essencial, como tem sido jurisprudência uniforme, designadamente do STA, com a responsabilidade civil consagrada no art. 483º do Código Civil, dependendo a obrigação de indemnizar, como ficou já dito, da verificação cumulativa dos pressupostos: facto, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano – (cf. entre outros Ac. STA de 04.12.03, rec. 557/03 e de 11.02.03, rec. 323/02).

A fim de facilitar a visualização da 7/03 e de 11.02.03, rec. 323/02).
controvertida questão do ponto de vista normativo, infra se transcrevem, no que aqui releva, os Artigos 2º, 3º e 6º do DL nº 48.051, então aplicável:
“Artº 2º
1. O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
2. Quando satisfizerem qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e demais pessoas coletivas públicas gozam do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, se estes houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo.
Artº 3º
“Os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de atos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente.”
Artº 6º
Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.”
Não tendo os Autores aqui Recorrentes logrado demonstrar a verificação de qualquer dos pressupostos aplicáveis para que pudesse haver lugar a responsabilidade civil extracontratual, mesmo que se não considerasse a declarada ineptidão a petição inicial, sempre o peticionado estaria condenado a ser julgado improcedente.
Da caducidade do direito de ação
Invocam os Recorrentes que o ato de licenciamento estará ferido de nulidade, em face do que não poderia ter sido declarada a Caducidade do Direito de Ação.
Dispõe ao art° 68° do RJUE que são nulas as licenças que:
“a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
c) Não tenham sido precedidos de consultas das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações, autorizações ou aprovações.”
Resulta dos factos dados por assentes pelo Tribunal a quo, que se encontram fixados factos que conduzirão à declaração de nulidade do licenciamento em causa.
Efetivamente, está provado que os contrainteressados não eram os únicos titulares do prédio onde foi implantada a edificação licenciada, facto insofismável e incontornável.
Acresce que, tendo a questão sido suscitada logo no Procedimento Administrativo, nunca o Município cuidou sequer de determinar a junção ao processo de documento comprovativo da titularidade do respetivo prédio.
Como sublinhou o Magistrado do Ministério Público junto deste TCAN, não estando provada a legitimidade dos requerentes, o procedimento de licenciamento não deveria ter prosseguido - cfr. art° 83.º n° 1, al. c) do CPA então aplicável (atual Artº 109.º).
Refere o aludido normativo, no que aqui releva:
“Questões que prejudiquem o desenvolvimento normal do procedimento
O órgão administrativo, logo que estejam apurados os elementos necessários, deve conhecer de qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre o seu objeto e, nomeadamente, das seguintes questões:
(…)
c) A ilegitimidade dos requerentes;”
A ausência de legitimidade dos Requerentes determinará ainda a nulidade do procedimento, em função do facto daqueles não serem titulares exclusivos do prédio onde foi licenciada a controvertida edificação, pelo que está em causa a edificação em terreno parcialmente alheio.
Efetivamente, e como resulta desde logo do Acórdão do STA de 11 de março de 2003, no âmbito do Procº nº 047750, “o licenciamento … na parte que se reporta a terreno alheio, é inexistente ou ineficaz em relação aos proprietários daquele terreno (tudo se passa, mutatis mutandis, como no caso de venda de coisa alheia).”
Do mesmo modo se referiu no Acórdão do STJ nº 05B1524 de 22-06-2005 que “como tem sido entendido, não age de boa-fé quem sabe ou admite que a construção é feita em terreno alheio.
(…)
Como não desconhecia que o terreno era alheio, restava-lhe provar, como elemento constitutivo do seu direito (art. 342º, nº1º), que a incorporação foi autorizada pelo dono do terreno.
(…)
- ao incorporar uma obra em terreno alheio com materiais próprios, o ora recorrente não agiu de boa-fé, como exigido no nº 4º do art.1340º, na medida em que não se provou que os proprietários autorizaram a sua realização (…)”.
Já mais recentemente, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nº 1068/08.7TBTMR-B.C1 de 13-05-2014 afirmou que “(…) a incorporação feita em terreno alheio com materiais próprios, de boa-fé, confere o direito à aquisição do conjunto ao titular da coisa mais valiosa, desde que pague ao outro o valor da coisa adquirida (artº 1340º nºs 1 e 3 do Código Civil). A incorporação, nas mesmas condições, mas feita de má-fé, confere ao titular do terreno a faculdade alternativa de adquirir as coisas incorporadas, pelo valor fixado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa ou de exigir que o terreno seja restituído ao seu estado primitivo, à custa do incorporador (artº 1341 do Código Civil).
Assim tendo o controvertido licenciamento incidido em terreno face ao qual os aqui Recorrentes eram coproprietários, sem que tivessem dada qualquer autorização, antes se tendo oposto ativamente ao mesmo, é patente que o mesmo se mostrará nulo.
Por outro lado, verificam-se ainda algumas incongruências procedimentais que se impunha verificar.
Com efeito, a edificação estará em desconformidade com o licenciado, uma vez que consta como factos provados nos artigos 8º e 9º que a área de construção a utilizar "era de 197 m2", quando um técnico do Município chega a afirmar contraditoriamente que a área de habitação é de "330,00m2".
A confirmar-se tal facto, tal implica que que a obra efetivamente realizada se mostre em desconformidade com o projeto apresentado, o que determinará a nulidade da correspondente licença, nos termos da al. a) do art° 68° do RJUE.
Assim, estando o ato de licenciamento ferido de nulidade, e não estando a impugnação de atos nulos sujeita a prazo (art° 58°, n° 1 do CPTA), não poderia proceder a exceção da caducidade do direito.
Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, baixando os autos para ser prosseguida a ulterior tramitação.
Acresce a tudo quanto precedentemente se expendeu, que importa verificar a reiteradamente reclamada ausência de notificação dos aqui Recorrentes, da junção aos Autos do Processo Administrativo, situação que, a confirmar-se, deverá determinar a sua notificação prévia à prolação de decisão de 1ª instância.
Em face das conclusões a que se chegou, fica prejudicada, por inútil, a análise de outros vícios suscitados.
*

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar procedente o Recurso, revogar o Saneador-Sentença objeto de Recurso, por se não reconhecer a declarada caducidade do direito de Ação, devendo os Autos baixar à 1ª instância para prosseguimento da sua normal tramitação se a tal nada mais obstar.
Custas pelos Recorridos
Porto, 10 de março de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia



Fonte: http://www.dgsi.pt