Apelação 1155/22.9T8OVR.P1
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
AA intentou ação declarativa, sob a forma única de processo comum, contra A..., S.A. e B... – UNIPESSOAL, LDA. pedindo a condenação da primeira ré na resolução do contrato de compra e venda com a mesma celebrado e a devolução da quantia de €4.800,00, acrescida de juros moratórios desde a citação até efetivo e integral cumprimento e, subsidiariamente, a condenação da mesma ré na reparação e substituição do equipamento vendido. Peticionou, ainda, a condenação da segunda ré no reconhecimento que o autor nada lhe deve seja a que título for, bem como a condenação de ambas as rés no pagamento da quantia de €2.884,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a citação até efetivo e integral cumprimento.
Alegou, para tanto, e em síntese, que a ré A..., S.A. lhe vendeu um equipamento que apresentava determinadas desconformidades que identifica, e que, em consequência, sofreu danos que discrimina.
Quanto à ré B... – UNIPESSOAL, LDA. alega que nada lhe deve, porque não celebrou nenhum contrato com a mesma.
Regularmente citadas, vieram ambas as rés contestar, alegando a ré B... – UNIPESSOAL, LDA., no essencial, que foram problemas de sobretensão existentes na instalação elétrica da casa do autor que originaram os danos alegados, ao passo que a ré A..., S.A. alegou, em suma, que não corresponde à verdade o alegado pelo autor, na medida em que a instalação do citado sistema fotovoltaico não foi efetuada pela ré e sim por trabalhadores da ré B..., UNIPESSOAL, LDA..
Por despacho de 20.10.2022 foi determinada a apensação dos autos de AECOPEC n.º 55783/22.7YIPRT, aos presentes, passando toda a tramitação a ocorrer nestes autos, nos termos do artigo 267.º, nº 1, do CPC, por se ter considerado que nuns e noutros se discute a mesma relação jurídica e são as mesmas as partes.
Nesse processo, B..., Unipessoal, Lda. demanda AA, alegando que, a solicitação deste lhe forneceu/vendeu o equipamento que identifica, destinado a substituir um inversor anteriormente instalado e que sofreu danos irreparáveis, pedindo a condenação do demandado a pagar-lhe o valor de € 2 460,00, acrescido de juros, tendo o demandado deduzido oposição, negando a celebração de qualquer contrato com a demandante.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, através da qual, a final, se decidiu:
“Nos termos e com os fundamentos expostos decido julgar parcialmente procedente, por provada e em consequência:
A. Declaro resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o autor AA e a ré A..., S.A. inerente ao orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com o valor de €4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), com IVA incluído.
B. Condeno a ré A..., S.A. a pagar ao autor AA a quantia de €4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação da ré A..., S.A. (que ocorreu no dia 04 de julho de 2022) até integral pagamento.
C. Absolver as rés A..., S.A. e B... – UNIPESSOAL, LDA. dos demais pedidos formulados pelo autor AA.
D. Absolver o autor AA de todos os pedidos formulados pela ré B... – UNIPESSOAL, LDA..”.
Não se conformando com o assim decidido, veio a ré A..., S.A. interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Formulou, a recorrente, as seguintes conclusões das suas alegações:
“I. A sentença recorrida padece de contradição entre a matéria de facto dada como provada e não provada, a saber:
Se no ponto 6. da matéria de facto dada como provado refere-se que:
6. A instalação do equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi concluída no final do mês de janeiro de 2021, pelo Engenheiro BB, trabalhador por conta da ré B... – UNIPESSOAL, LDA.
Já no ponto 35. da matéria de facto dada como provada refere-se que:
35. A instalação do referido equipamento foi efetuada durante o mês de Dezembro de 2020 e terminada no final desse mês.
Ora a conclusão da instalação do KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR junto aos autos como documento de fls. 7 ou foi efectuada em finais de Dezembro de 2020 ou no final de Janeiro de 2021.
II. Por outro lado, se no ponto 33. da matéria de facto dada como provado refere-se que
33. Antes da referida instalação, a ré deslocou-se à casa do autor, em ..., Ovar, acompanhada pelo Engenheiro BB, na qualidade de técnico da ré B..., UNIPESSOAL, LDA., sociedade subcontratada pela ré para efectuar a montagem dos equipamentos, de forma a verificar o sistema mais adequado.
Já no ponto 35. da matéria de facto dada como não provada refere-se que
m. A instalação do citado sistema fotovoltaico não foi efetuada pela ré A..., S.A. e sim por trabalhadores da ré B..., UNIPESSOAL, LDA.
III. Em ambas as situações existe uma contradição entre estes dois factos dados como provados porquanto eles mostram-se absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que não podem coexistir entre si.
IV. Estamos perante um erro ou vício da decisão de facto, situação que encontra acolhimento na previsão do artº 662º do CPC relativamente à modificabilidade da decisão de facto, devendo ser anulada a decisão proferida em 1º instância, nos termos da alínea c) do nº 2 da referida disposição legal e ordenar-se a baixa dos autos para decisão da contradição constante da sentença recorrida.
V. Conforme preceituado no artigo 662º do CPC, a decisão do Tribunal de Primeira Instância deve ser revista por erro de julgamento na matéria de facto e na valoração da prova gravada.
VI. Segundo Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2014 – 2ª edição, págs. 129 e segs.”, o Tribunal da Relação tem a função normal de modificar a matéria de facto quando a reapreciação dos meios de prova o justifique, afastando-se o entendimento de que tal alteração seria excecional ou reservada para os casos de erro manifesto. Ou seja, é permitido ao Tribunal da Relação sindicar a decisão baseada em prova oralmente produzida e gravada, sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso daquele que foi declarado na Primeira instância.
VII. A análise minuciosa da matéria provada e não provada e a motivação da M. Juiz a quo, evidencia que não existiu uma avaliação crítica e analítica da prova testemunhal, pericial e documental produzida em audiência.
VIII. A decisão em crise não fez uma apreciação crítica, conjugada e concatenada de toda a prova produzida, uma vez que cingiu-se a uma mera apreciação isolada dos vários depoimentos testemunhais produzidos.
IX. A incorreta valoração da prova testemunhal, levada a cabo pela M. Juiz a quo, configura erro de julgamento.
X. O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), levando a que a decisão não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.
XI. É consabido que o julgador é livre de apreciar as provas, todavia, tal apreciação deve ser vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da lógica e às regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
XII. A apreciação das provas deve respeitar sempre os princípios do direito probatório e seguir normas lógicas e científicas, não se confundindo com a íntima convicção do julgador.
XIII. A sentença recorrida padece duma fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente não permitindo ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, pelo que deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
XIII. O duplo grau de jurisdição em matéria de facto reforça os poderes do Tribunal de Recurso, permitindo a reapreciação das provas gravadas, conforme o artº 640º do CPC.
XIV. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD e EE que supra se transcrevam deve dar-se como provado que 6. A instalação do equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi concluída no final do mês de Dezembro de 2020, pelo Engenheiro BB, trabalhador por conta da ré B... – UNIPESSOAL, LDA.
XV. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE, que supra se transcreveram deve dar-se como provado que 7. Desde a referida instalação em finais de 2020 até julho 2021, o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, funcionou regularmente, altura em que foi substituído por outro equipamento fornecido e instalado pela co-Ré B... Unipessoal, Limitada, sem qualquer prévio conhecimento ou intervenção da recorrente.
XVI. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas BB, CC, FF e GG que supra se transcreveram deve dar-se como provado que 8. Em abril de 2021, o autor, que se encontrava em Portugal, verificou que a bateria não chegava aos 100% e queixou-se ao vendedor CC que lhe transmitiu que deveria falar com o Engenheiro BB que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir à casa do autor, em ..., Ovar.
XVII. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas BB, CC, FF e das declarações de parte do Autor deve dar-se como provado que 11. No mês de junho de 2021, a irmã do autor, FF, telefonou ao autor, na medida em que se encontrava a trabalhar em França, a dar-lhe conhecimento que a sua casa em ..., Ovar e a que se alude no ponto 2., não tinha electricidade.
XVIII. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas BB, CC, FF e das declarações de parte do Autor, deve dar-se como provado que 15. Passados uns dias, em 04.07.2021, a irmã do autor, FF, telefonou ao autor, na medida em que se encontrava a trabalhar em França, a dar-lhe conhecimento que a sua casa em ..., Ovar e que se alude no ponto 2. não tinha electricidade.
XIX. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas BB, CC, FF, GG e das declarações de parte do Autor, deve dar-se como não provado o facto constante do ponto 18.
XX. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas BB, CC, FF, GG e das declarações de parte do Autor, deve dar-se como não provado o facto constante do ponto 19.
XXI. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos conjugados das testemunhas BB e CC deve dar-se como provado que 21. O Eng. BB, na qualidade de funcionário da B..., informou o A. que o primeiro inversor, descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tinha avariado por causa dos relâmpagos e perguntou ao autor se o seguro da casa do autor, em ..., Ovar, cobria o referido prejuízo.
XXII. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos conjugados das testemunhas BB e CC, conjugado com o relatório pericial junto aos autos a folhas e os esclarecimentos do Sr. Perito prestado na sessão de julgamento deve dar-se como provado que
27. Encontrava-se depositada nos anexos do A. uma bateria sem carga e sem funcionamento porquanto não estava instalada, encontrando-se dentro de uma caixa fechada, bem como um inversor sem aparente problema causado por descargas eléctricas.
XXIII. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos conjugados das testemunhas BB e CC, conjugado com documento da ... junto aos autos a folhas, deve dar-se como provado que d. Fruto de adversidades climatéricas, fortes trovoadas, o inversor montado na instalação da casa do autor, em Ovar, ficou danificado.
XXIV. Após a análise da prova gravada, nomeadamente do depoimento da testemunha BB deve dar-se como provado que e. Na altura da realização da peritagem do 1.º inversor instalado na casa do autor, em ..., Ovar, a ré B... – UNIPESSOAL, LDA. teve conhecimento dos problemas de sobretensão existentes na instalação eléctrica da casa do autor.
XXV. Após a análise da prova gravada, nomeadamente do depoimento da testemunha BB deve dar-se como provado que f. O autor confessou os ditos problemas e acrescentou que ocorriam em sua casa sucessivas avarias em aparelhos eléctricos, tendo inclusive desligado um projector que detinha no exterior da habitação para detectar movimentos, já que, quando este trabalhava, a luz ia abaixo.
XXVI. Após a análise da prova gravada, nomeadamente do depoimento da testemunha BB entende-se que deve dar-se como provado que g. Ocorreram cortes de energia na instalação eléctrica da casa do autor que causaram danos nos equipamentos.
XXVII. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos conjugados das testemunhas BB, CC, EE e DD entende-se que deve dar-se como provado que l. O equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, começou a funcionar de forma imediata.
XXVIII. A M. Juiz deu como não provado que m. A instalação do citado sistema fotovoltaico não foi efetuada pela ré A..., S.A. e sim por trabalhadores da ré B..., UNIPESSOAL, LDA, sendo que este facto está em contradição com o ponto 6. dos factos dados como provados.
XXIX. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos conjugados das testemunhas BB, CC, EE e DD entende-se que o facto supra referido deve dar-se como provado.
XXX. Após a análise da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos conjugados das testemunhas BB, CC e EE entende-se deve dar-se como provado que n. Em abril de 2021, o autor, que se encontrava em Portugal, verificou que a bateria não chegava aos 100% e queixou-se ao vendedor CC que lhe transmitiu que deveria falar com o Engenheiro BB que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir à casa do autor, em ..., Ovar.
XXXI. Não foi feita prova bastante que permitisse a M. Juiz a quo ter uma opinião, encorada num grau de probabilidade suficiente, para considerar tais factos como provados;
XXXII. Na humildade opinião da Recorrente, a M. Juiz a quo não fez apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência, nem a decisão que proferiu sobre a matéria que considerou não provada, atrás indicada, traduz uma apreciação crítica e analítica da prova gravada.
XXXIII. Para tanto, bastará ao Tribunal ad quem atentar e reapreciar os depoimentos prestados pela Recorrente e pelas testemunhas BB, CC, EE e DD supra transcritos, resultando das declarações do Sr. Perito o relatório pericial versa a análise dum inversor que não foi o fornecido pela Recorrente, antes sim, pela co-ré B....
XXXIV. A M. Juiz valorizou de forma excessiva e ilegal as declarações de parte que foram prestadas pelo Autor na sessão de julgamento no dia 22/05/2024 quanto às causas da inoperacionalidade do Kit fotovoltaico fornecido pela recorrente porque desacompanhadas de qualquer outro elemento de prova que pudesse sustentar tais conclusões.
XXXV. Depois de serem reapreciados tais depoimentos, os Venerandos Juízes Desembargadores chegarão a juízo decisório completamente diferente daquele a que chegou a M. Juiz a quo.
XXXVI. A Recorrente entende que o Tribunal a quo errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto analisada, cabendo a este Venerando Tribunal alterá-la (artº 662º, nº 1, do CPC).
XXXVI. Houve, igualmente, por parte do Tribunal a quo, erro flagrante na aplicação do direito (error juris), ao condenar a Recorrente nos pedidos identificados nos pontos a. e b. da sentença.
XXXVI. Alterando, como se espera a matéria de facto dado como provada e não provada nos termos referido em B., verificar-se-á que o inversor constante do orçamento de folhas 7, foi danificado por um sinistro completamente anómalo- trovoada e que a sua recuperação era economicamente inviável,
XXXVII. Tendo a Ré B... substituído o inversor danificado e vendido pela Recorrente por um outro, inicialmente de cortesia e sua propriedade e, posteriormente por um outro inversor que, apesar de não ter sido dado com provado, foi fornecido pela Ré B... ao A. e instalado na sua residência em Agosto de 2021.
XXXXVIII. Todas essas substituições de parte do equipamento fornecido pela Recorrente ao A. foram efetuadas à revelia da recorrente que as desconhecia, sendo totalmente alheia a tais decisões acordadas entre a Ré B... e o A.
XXXXIX. A recorrente respeitou escrupulosamente o contrato nos termos do disposto nos arts. 406º e 763º ambos do CC, tendo entregue e instalado o Kit previsto no orçamento de folhas 7., conforme o acordado entre o A. e a Recorrente.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, revogar-se a douta sentença proferida pela M. Juiz a quo nos termos das conclusões atrás identificadas, assim se fazendo Justiça!”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões a apreciar:
- Se ocorre algum motivo de nulidade da sentença, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 615.º, nº 1, al. c), do CPC;
- Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente alteração da decisão da matéria de facto;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a decisão de direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
“1. O autor é emigrante, trabalha e reside em França.
2. O autor, em meados de 2020, tinha o escopo de melhorar a rentabilidade energética (redução do custo de electricidade) da sua casa em ..., Ovar, que não se encontra habitada, com excepção dos períodos em que o autor passa férias em Portugal.
3. Nessa sequência, negociou com CC, na qualidade de vendedor da ré A..., S.A., com vista a alcançar o referido objectivo, que se deslocou à casa do autor, em ..., Ovar, para o efeito.
4. Após, a ré A..., S.A. entregou ao autor um orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com o valor de €4800,00, com IVA incluído e emitiu factura no dia 30.11.2020.
5. E, nessa sequência, o autor pagou o referido valor de €4800,00, com IVA incluído, em duas tranches.
6. A instalação do equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi concluída no final do mês de janeiro de 2021, pelo Engenheiro BB, trabalhador por conta da ré B... – UNIPESSOAL, LDA..
7. Desde a referida instalação, o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nunca funcionou regularmente.
8. Em abril de 2021, o autor, que se encontrava em Portugal, verificou que o dito equipamento não estava a funcionar e queixou-se ao vendedor CC que lhe transmitiu que deveria falar com o Engenheiro BB que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir à casa do autor, em ..., Ovar.
9. O referido colaborador transmitiu ao autor que era necessário analisar o dito inversor, na medida em que estava avariado e, nessa sequência, substituiu (por cortesia) o referido inversor por um outro inversor.
10. Após, transmitiu ao autor que tinha de levar consigo o inversor descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para ser objecto de uma perícia, ficando, em seu lugar, o inversor de cortesia que iria funcionar corretamente.
11. No mês de junho de 2021, a irmã do autor, FF, telefonou ao autor, na medida em que se encontrava a trabalhar em França, a dar-lhe conhecimento que a sua casa em ..., Ovar e a que se alude no ponto 2., não tinha electricidade e que o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acoplado ao inversor de cortesia, supra mencionado, não estava a funcionar.
12. Referiu-lhe, ainda, que teve de deitar ao lixo o recheio dos dois frigoríficos da casa do autor, em ..., Ovar, designadamente carne e peixe, por se encontrarem estragados em virtude de não haver electricidade na referida casa.
13. Nessa sequência, o autor queixou-se, novamente, ao vendedor CC que lhe transmitiu que deveria falar novamente com o Engenheiro BB que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir a sua casa em ..., Ovar e a que se alude no ponto 2..
14. Após, o referido colaborador restaurou a energia em casa do autor, em ..., Ovar.
15. Passados uns dias, em 04.07.2021, a irmã do autor, FF, telefonou ao autor, na medida em que se encontrava a trabalhar em França, a dar-lhe conhecimento que a sua casa em ..., Ovar e que se alude no ponto 2. não tinha electricidade e que o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acoplado ao inversor de cortesia, supra mencionado, não estava a funcionar.
16. Nessa sequência, o autor queixou-se novamente ao Engenheiro BB que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir à casa do autor, em ..., Ovar.
17. O referido colaborador restaurou a energia em casa do autor, em ..., Ovar e transmitiu não saber qual o motivo para ausência de electricidade e falta de funcionamento do dito equipamento.
18. No mês de julho, o autor, quando regressou a Portugal, verificou que o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acoplado ao inversor de cortesia, supra mencionado, estava desligado, sem funcionar.
19. Nessa sequência, o autor queixou-se, novamente, ao vendedor CC que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir à casa do autor, em ..., Ovar.
20. O referido colaborador transmitiu ao autor que o inversor de substituição se encontrava avariado e levou-o consigo.
21. Passado uma semana, o autor dirigiu-se às instalações da ré A..., S.A., tendo o vendedor CC transmitido que o primeiro inversor, descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tinha avariado por causa dos relâmpagos e perguntou ao autor se o seguro da casa do autor, em ..., Ovar, cobria o referido prejuízo.
22. Dois dias depois, a ré B... – UNIPESSOAL, LDA. colocou um terceiro inversor na casa do autor, em ..., Ovar e pediu ao autor o número da referida apólice do seguro da casa do autor, em ..., Ovar.
23. Nesse mesmo dia, 05 de agosto de 2021, o autor recebeu uma factura por e-mail emitida pela ré B... –UNIPESSOAL, LDA., no valor de €2460,00 inerente ao terceiro inversor.
24. O autor nunca solicitou à ré B... – UNIPESSOAL, LDA. qualquer inversor e/ou outro equipamento.
25. O autor nunca recebeu o relatório pericial realizado ao primeiro inversor descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
26. O último inversor descrito na factura emitida pela ré B... – UNIPESSOAL, LDA., no valor de €2460,00, não funcionou regularmente.
27. O último equipamento instalado pela ré B... – UNIPESSOAL, LDA., na casa do autor, em ..., Ovar, apresenta as seguintes desconformidades: quadro sem protecção adequada, fios expostos, bateria sem carga e sem funcionamento, inversor sem funcionamento, inversor substituído sem aparente problema causado por descargas eléctricas e fio solar enrolado na estrutura metálica dos módulos solares.
28. O autor com o supra exposto nos pontos 7 a 27, sofreu períodos de angústia e stress.
Da contestação da ré B... – UNIPESSOAL, LDA.:
29. No dia 03 de Janeiro de 2022, a ré, através do seu mandatário, solicitou ao autor o pagamento da factura inerente ao equipamento descrito no requerimento inicial (AECOPEC n.º 55783/22.7YIPRT), apenso A.
Da contestação da ré A..., S.A.:
30. O autor, quando contratou a ré A..., S.A., tinha na sua residência 05 painéis solares com 05 micro inversores.
31. A ré instalou na casa do autor 1 painel solar e um micro inversor hibrido que se destinava a acumular energia de forma a que o excesso de energia produzida fosse enviada para as baterias ou para a rede elétrica, tal como é usual fazer-se neste tipo de equipamentos.
32. O sistema fotovoltaico instalado na casa do autor consistia num único painel com inversão hibrido, acrescido de uma bateria.
33. Antes da referida instalação, a ré deslocou-se à casa do autor, em ..., Ovar, acompanhada pelo Engenheiro BB, na qualidade de técnico da ré B..., UNIPESSOAL, LDA., sociedade subcontratada pela ré para efectuar a montagem dos equipamentos, de forma a verificar o sistema mais adequado.
34. O autor pagou à ré: a) €1.200,00 aquando da apresentação do orçamento e sua aceitação pelo autor e b) €3.599,00 no dia 01.02.2021, depois da instalação do sistema vendido pela ré ao autor.
35. A instalação do referido equipamento foi efetuada durante o mês de Dezembro de 2020 e terminada no final desse mês.
36. A ré não teve qualquer intervenção na substituição do inversor, nem nas inerentes negociações.
Do apenso A:
37. A ré B... – UNIPESSOAL, LDA. é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à prestação de serviços de electricidade, mecânica, climatização e energias renováveis.”
E deu como não provados os factos seguintes:
“a. Na sequência do exposto nos factos provados n.ºs 7 a 27, o autor:
i. perdeu produtos alimentares no valor de €150,00;
ii. despendeu a quantia de €184,00 para elaboração de relatório técnico e
iii. deixou de poupar €500,00 em eletricidade.
b. A ré A..., S.A. retirou indevidamente cinco inversores da casa do autor, em ..., Ovar, relativos ao kit C....
Da contestação da ré B... – UNIPESSOAL, LDA.:
c. O autor solicitou à ré B... – UNIPESSOAL, LDA. que convertesse a sua instalação num sistema híbrido com inversor e bateria, tendo a ré aceite e concretizado.
d. Fruto de adversidades climatéricas, fortes trovoadas, o inversor montado na instalação da casa do autor, em Ovar, ficou danificado.
e. Na altura da realização da peritagem do 1.º inversor instalado na casa do autor, em ..., Ovar, a ré B... – UNIPESSOAL, LDA. teve conhecimento dos problemas de sobretensão existentes na instalação eléctrica da casa do autor.
f. O autor confessou os ditos problemas e acrescentou que ocorriam em sua casa sucessivas avarias em aparelhos eléctricos, tendo inclusive desligado um projector que detinha no exterior da habitação para detectar movimentos, já que, quando este trabalhava, a luz ia abaixo.
g. Ocorreram cortes de energia na instalação eléctrica da casa do autor que causaram danos nos equipamentos.
h. No dia 04 de Julho de 2021, um trabalhador da ré B... – UNIPESSOAL, LDA. deslocou-se à casa do autor em ... Ovar e deparou-se com falta de energia, tendo apenas ligado um disjuntor que se encontrava desligado por haver disparado, o que se deve ao facto da instalação de eléctrica comum executada na moradia do autor ser de muita má qualidade.
i. A D... sempre funcionou correctamente, com o inversor de substituição, desde que existisse energia eléctrica na habitação.
j. Em Agosto de 2021, o autor solicitou à ré B... – UNIPESSOAL, LDA. a instalação de um inversor definitivo, em virtude do equipamento sinistrado não ter reparação viável, tendo a ré B... – UNIPESSOAL, LDA. instalado um inversor novo.
k. A instalação fotovoltaica encontra-se a trabalhar correctamente desde essa data, não tendo ocorrido qualquer anomalia.
Da contestação da ré A..., S.A.:
l. O equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, começou a funcionar de forma imediata.
m. A instalação do citado sistema fotovoltaico não foi efetuada pela ré A..., S.A. e sim por trabalhadores da ré B..., UNIPESSOAL, LDA..
n. No mês de abril de 2021, o autor informou a ré A..., S.A. que estava a ter alguns problemas com o sistema fotovoltaico e após, a ré solicitou ao Engenheiro BB para averiguar o estado do equipamento, tendo verificado que o inversor estaria danificado em consequência duma descarga elétrica ocorrida após uma trovoada e transmitido tal situação ao autor.
o. Nessa sequência, transmitiu ao autor que era necessário substituir o inversor danificado e autor aceitou a substituição.
Do apenso A:
p. No âmbito da sua actividade comercial, e a solicitação do autor, a ré B... – UNIPESSOAL, LDA., no dia 29 de Dezembro de 2020, forneceu/vendeu e instalação da casa do autor um equipamento, denominado Inversor Híbrido 5000VA, com vista a substituir um inversor anteriormente instalado que sofreu danos irreparáveis devido a sobretensão exterior, de origem atmosférica.
q. A ré B... – UNIPESSOAL, LDA. procedeu à montagem do equipamento e dos serviços técnicos emergentes da sua instalação, com os inerentes custos de peritagem, destinados a verificar a origem da sobretensão e a possibilidade de reparação do equipamento danificado, titulados pela factura ..., de 05 de agosto de 2021.
r. O autor nunca reclamou da dita factura.
Da resposta do autor sequente aos articulados das rés:
s. O autor teve consumos de electricidade na casa de ..., Ovar, na sequência dos comportamentos das rés, no hiato temporal de julho de 2022 até ao mês de abril de 2024.”
*
IV – MOTIVAÇÃO DE DIREITO
1. Da nulidade da sentença
Nas conclusões das suas alegações veio a recorrente arguir alegados vícios da decisão recorrida que identifica como nulidades, a saber, a nulidade por contradição entre factos provados e não provados – 662.º, nº 2, al. c) do CPC, bem como nulidade por falta de fundamentação.
Apreciando:
Quanto à modificabilidade da decisão de facto, dispõe o art. 662.º do CPC que “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Por sua vez, resulta do nº 2 do mesmo preceito que “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)”.
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.
Posto isto, é unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também, designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
No caso, a alegada contradição entre factos, apenas na al. c) do nº 1, do art. 615.º do CPC, poderia ser integrada, sendo, contudo, certo que tal preceito apenas comina com a nulidade a sentença em que exista oposição entre os fundamentos e a decisão, e não uma eventual contradição entre factos provados e/ou não provados, caso em que poderia estar em causa um erro de julgamento.
De facto, no que diz respeito à nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, é pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cf. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, pág. 736-737, e na jurisprudência, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3167/17.5T8LSB.L1.S1, de 14-04-2021).
É igualmente pacífico o entendimento de que a divergência entre os factos provados e a decisão, ou a contradição entre factos provados e factos não provados, não integra tal nulidade reconduzindo-se a erro de julgamento.
Ou seja, só ocorre contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial quando aqueles conduzirem, de acordo com um raciocínio lógico, a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja quando os fundamentos justificam uma decisão precisamente oposta à tomada.
Conforme foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de 03-03-2021 (disponível em dgsi.pt):
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
(…).
III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.”.
No caso, não ocorre a dita nulidade, nem resulta ser caso de anulação da decisão proferida pela 1.ª Instância, até porque, como se retira do recurso interposto, a própria recorrente vem invocar o erro de julgamento, incluindo quanto aos factos que diz serem contraditórios entre si, pelo que será nesse âmbito que a questão deve ser apreciada.
E também não ocorre a alegada nulidade por falta de fundamentação.
É certo que, como referido, o artigo 615.º do CPC prevê, na alínea b), do nº 1, como uma das causas de nulidade da sentença, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Contudo, como temos vindo a decidir e nos parece ser jurisprudência unânime, só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art. 607.º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Contudo, conforme foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de 03-03-2021 (disponível em gdsi.pt), já citado supra, “(…) II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. (…)”.
Lida a decisão sob recurso, e nomeadamente a fundamentação de facto, mostra-se evidente que não ocorre a falta de fundamentação, nem sequer uma fundamentação que se possa considerar insuficiente ou incompleta, antes pelo contrário, tendo em conta a análise que foi feita de todos os meios de prova produzidos.
Não ocorre, pois, qualquer nulidade da sentença que importe conhecer, improcedendo o recurso nesta parte.
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2. Do erro de julgamento
No seu recurso vieram os apelantes requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”.
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, pericial e testemunhal ou por declarações, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396.º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607.º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.
Posto isto, cabe analisar se assiste razão à apelante, na parte da impugnação da matéria de facto.
Como resulta das respetivas conclusões do recurso, a apelante entende que deve ser alterada a seguinte matéria de facto provada:
Factos provados:
6. A instalação do equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi concluída no final do mês de janeiro de 2021, pelo Engenheiro BB, trabalhador por conta da ré B... – UNIPESSOAL, LDA..
7. Desde a referida instalação, o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nunca funcionou regularmente.
8. Em abril de 2021, o autor, que se encontrava em Portugal, verificou que o dito equipamento não estava a funcionar e queixou-se ao vendedor CC que lhe transmitiu que deveria falar com o Engenheiro BB que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir à casa do autor, em ..., Ovar.
11. No mês de junho de 2021, a irmã do autor, FF, telefonou ao autor, na medida em que se encontrava a trabalhar em França, a dar-lhe conhecimento que a sua casa em ..., Ovar e a que se alude no ponto 2., não tinha electricidade e que o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acoplado ao inversor de cortesia, supra mencionado, não estava a funcionar.
15. Passados uns dias, em 04.07.2021, a irmã do autor, FF, telefonou ao autor, na medida em que se encontrava a trabalhar em França, a dar-lhe conhecimento que a sua casa em ..., Ovar e que se alude no ponto 2. não tinha electricidade e que o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acoplado ao inversor de cortesia, supra mencionado, não estava a funcionar.
18. No mês de julho, o autor, quando regressou a Portugal, verificou que o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acoplado ao inversor de cortesia, supra mencionado, estava desligado, sem funcionar.
19. Nessa sequência, o autor queixou-se, novamente, ao vendedor CC que, por seu turno, solicitou a um colaborador para se dirigir à casa do autor, em ..., Ovar.
21. Passado uma semana, o autor dirigiu-se às instalações da ré A..., S.A., tendo o vendedor CC transmitido que o primeiro inversor, descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tinha avariado por causa dos relâmpagos e perguntou ao autor se o seguro da casa do autor, em ..., Ovar, cobria o referido prejuízo.
27. O último equipamento instalado pela ré B... – UNIPESSOAL, LDA., na casa do autor, em ..., Ovar, apresenta as seguintes desconformidades: quadro sem protecção adequada, fios expostos, bateria sem carga e sem funcionamento, inversor sem funcionamento, inversor substituído sem aparente problema causado por descargas eléctricas e fio solar enrolado na estrutura metálica dos módulos solares.
Factos não provados:
d. Fruto de adversidades climatéricas, fortes trovoadas, o inversor montado na instalação da casa do autor, em Ovar, ficou danificado.
e. Na altura da realização da peritagem do 1.º inversor instalado na casa do autor, em ..., Ovar, a ré B... – UNIPESSOAL, LDA. teve conhecimento dos problemas de sobretensão existentes na instalação eléctrica da casa do autor.
f. O autor confessou os ditos problemas e acrescentou que ocorriam em sua casa sucessivas avarias em aparelhos eléctricos, tendo inclusive desligado um projector que detinha no exterior da habitação para detectar movimentos, já que, quando este trabalhava, a luz ia abaixo.
g. Ocorreram cortes de energia na instalação eléctrica da casa do autor que causaram danos nos equipamentos.
l. O equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, começou a funcionar de forma imediata.
m. A instalação do citado sistema fotovoltaico não foi efetuada pela ré A..., S.A. e sim por trabalhadores da ré B..., UNIPESSOAL, LDA..
n. No mês de abril de 2021, o autor informou a ré A..., S.A. que estava a ter alguns problemas com o sistema fotovoltaico e após, a ré solicitou ao Engenheiro BB para averiguar o estado do equipamento, tendo verificado que o inversor estaria danificado em consequência duma descarga elétrica ocorrida após uma trovoada e transmitido tal situação ao autor.
Ouvida a prova gravada e analisada a prova documental e pericial que consta dos autos, analisemos cada um dos factos cuja alteração se pretende.
No que diz respeito ao facto provado 6, pretende a recorrente que seja alterada a data em que a instalação do equipamento em causa ficou concluída, entendendo que ficou provado que terá sido no final do mês de dezembro de 2020, em vez de no final do mês de janeiro de 2021, como se mostra dado como provado.
Ora, resulta do depoimento da testemunha GG, bem como do teor do recibo junto com a petição inicial, que o pagamento da segunda tranche do preço do equipamento adquirido, foi pago no dia 01-02-2021, sendo este o dado objetivo de que dispomos.
De resto, as testemunhas não foram precisas quanto à data em que a instalação do equipamento ficou concluída, tendo referido “janeiro de 2021” (testemunha FF, irmã do autor), “final de dezembro ou janeiro, pensa que ainda durante o mês de dezembro” (testemunha CC, comercial da ré A...), “não pode precisar quando a instalação terminou” (testemunha BB, engenheiro ao serviço da ré B..., Lda., que supervisionou o serviço), “deixaram decorrer cerca de um mês, quatro ou cinco semanas, desde a instalação até que o CC foi receber” (testemunha EE, diretora geral da A...), “passado algum tempo da instalação ligou a perguntar se estava tudo bem e pediu pagamento” (testemunha DD, administrativa da A...).
Ou seja, tendo o pagamento ocorrido no dia 1 de fevereiro de 2021, a instalação terá sido concluída no final de dezembro de 2020 ou início de janeiro de 2021, pelo que se altera o teor do facto provado 6, o qual passará a ter a seguinte redação:
6. A instalação do equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi concluída no final do mês de dezembro de 2020 ou início de janeiro de 2021, pelo Engenheiro BB, trabalhador por conta da ré B... – UNIPESSOAL, LDA.
Quanto ao facto provado 7, pretende a recorrente que passe a constar que o equipamento funcionou regularmente, desde a instalação até julho de 2021.
Tendo em conta os depoimentos das testemunhas já mencionadas, nomeadamente das testemunhas FF e GG, irmã e cunhado do autor, que tinham a chave da respetiva habitação, mas também da testemunha CC, as queixas sobre o funcionamento do equipamento, começaram em abril de 2021, na altura da Páscoa, quando o autor veio a Portugal, tendo o autor logo comunicado que a bateria não carregava até aos 100 %, ligando em maio de 2021 a dizer que o inversor não funcionava corretamente, pelo que a referência pretendida pela recorrente, ao mês de julho de 2021, não se mostra provada. Aliás, sendo certo que o autor não terá estado na habitação entre a altura em que foi concluída a instalação e a altura da Páscoa de 2021, não podia ter verificado se o equipamento estava a funcionar corretamente, ou não, sendo que na primeira ocasião verificou que havia algum problema. Acresce que, segundo o relatório pericial e os esclarecimentos do senhor perito, desde o início que ocorria uma situação que levaria ao não funcionamento do inversor, já que a bateria não tinha potência suficiente para corresponder ao inversor, e existiam não conformidades na instalação que levariam ao não funcionamento do inversor.
Assim, não temos como não concordar com a decisão do Tribunal a quo, quando refere que o equipamento nunca funcionou regularmente, pelo que se mantém o facto 7, tal como foi dado como provado.
O facto provado 8, foi referido pelo autor e confirmado pelas testemunhas CC e BB, ainda que, nessa altura, o autor se tenha principalmente queixado da bateria, a qual, contudo, faz parte do equipamento, pelo que se entende nada haver a alterar ao facto dado como provado, o qual, assim, se mantém.
Quanto aos factos provados 11 e 15, pretende a recorrente que seja retirada a última parte desses factos, onde, depois de constar que a casa do autor não tinha eletricidade, se refere “e que o equipamento descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, acoplado ao inversor de cortesia, supra mencionado, não estava a funcionar”.
Ora, também quanto a estes factos deverá improceder a pretensão da recorrente, até porque, no facto provado 17 consta que o colaborador que foi ao local restaurar a energia em casa do autor, “transmitiu não saber qual o motivo para ausência de eletricidade e falta de funcionamento do dito equipamento”, facto este que não foi impugnado, e que revela que o equipamento não funcionava.
Mantêm-se, pois, os factos provados 11 e 15, com o teor que lhes foi dado pelo Tribunal a quo.
Os factos provados 18 e 19, que a recorrente pretende ver dados como não provados, resultaram das declarações do autor e acabaram por ser confirmadas pelos depoimentos das testemunhas CC e BB, tendo este referido que soube pelo CC que o sistema não estava a funcionar, para ir a casa do autor, tendo-se seguido determinados factos, como a substituição do inversor original por um de cortesia e, depois, por um terceiro, o que acabou por comunicar ao CC, pelo que nenhum motivo existe para alterar os factos em causa.
No que diz respeito ao facto provado 21, a pretensão da recorrente é no sentido de ser alterado, eliminando-se que o autor se dirigiu às instalações da ré A..., S.A., e que foi o vendedor CC que transmitiu ao autor a avaria do primeiro inversor e o alegado motivo, passando a constar que foi o Eng. BB, na qualidade de funcionário da B..., informou o autor.
Ora, a testemunha BB disse que, a partir de certa altura, nunca mais ninguém da A... o acompanhou à casa do autor, embora tenha sido contactado pelo CC, a quem deu conhecimento de que estava a ser tratada a situação. Reconheceu também que começou a contactar diretamente com o autor, nomeadamente quando decidiu colocar um terceiro inversor, na sequência da avaria do primeiro e da colocação de um inversor de cortesia. Assim, afigura-se verosímil segundo as regras da experiência comum, que tenha sido o Eng. BB a transmitir ao autor a informação sobre o inversor, tendo o mesmo confirmado que lhe indicou que deveria acionar o seguro da casa.
O que já não se provou foi a qualidade em que o a testemunha BB transmitiu a informação, uma vez que, ainda que o mesmo fosse funcionário da ré B..., Lda., se desconhece se o autor tinha noção desse facto, já que, desde o início, esta testemunha acompanhou o CC, tendo sido apresentado ao autor como o técnico que iria supervisionar a instalação do equipamento, mas desconhecendo-se se foi esclarecido que pertencia a uma outra empresa que prestava o serviço à A....
Altera-se, assim, o facto provado 21 que passará a ter a seguinte redação:
21. O Eng. BB informou o A. que o primeiro inversor, descrito no orçamento (KIT FOTOVOLTAICO COMPLEMENTAR) junto aos autos como documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tinha avariado por causa dos relâmpagos e perguntou ao autor se o seguro da casa do autor, em ..., Ovar, cobria o referido prejuízo.
Finalmente, o facto provado 27 deve manter-se tal como foi dado como provado pelo Tribunal a quo, e isto, porque se trata de um facto que resulta expressamente do relatório pericial junto aos autos e que não oferece dúvidas sobre o que foi percecionado, no local, pelo senhor perito.
A recorrente impugna também a matéria de facto dada como não provada, que pretende ver considerada provada, embora, em alguns casos, com uma redação diferente.
Vejamos.
O facto não provado d) deve manter-se como tal, uma vez que, face ao teor do relatório pericial junto aos autos, não há indícios de que o inversor tenha sido danificado devido a adversidades climatéricas, como fortes trovoadas, tendo o senhor perito referido que não se vê qualquer cabo ou ponta queimada, o que seria o caso na dita situação, apresentando, antes, outras causas, relacionadas com o próprio equipamento e sua incorreta instalação, para o dano ter acontecido.
O facto não provado e) também se deve manter como tal, considerando o sentido que tal afirmação pretende dar à sobretensão, não relacionada com o equipamento, o que não resultou provado, como referido quanto ao facto anterior.
O facto não provado f) não resultou de qualquer depoimento, nem o autor o admitu, pelo que se mantém como não provado.
O facto não provado g) também não resultou de qualquer meio de prova, tendo, antes, resultado do relatório pericial junto aos autos, que os cortes de energia ocorreram precisamente por causa do não funcionamento do equipamento.
O facto não provado l) deve também manter-se como tal, desde logo, porque resulta da perícia que a instalação foi feita erradamente, desde o início, não sendo compatíveis ou adequados os diversos componentes utilizados, pelo que, ainda que funcionasse, não o fazia corretamente, o que terá levado à avaria.
O facto não provado m) deve efetivamente dar-se como provado, embora com uma alteração em relação ao que a recorrente pretende, já que tendo resultado que foram trabalhadores da ré B..., Unipessoal, Lda., que procederam à instalação do equipamento, tal ocorreu a por conta da ré A..., única com quem o autor contratou a aquisição e instalação do equipamento, como resulta da respetiva fatura.
Assim, elimina-se o facto não provado m) e adita-se aos factos provados um facto 38, com a seguinte redação:
38. A instalação do citado sistema fotovoltaico não foi efetuada diretamente pela ré A..., S.A. e sim por trabalhadores da ré B..., UNIPESSOAL, LDA., por conta da ré A....
Finalmente, o facto não provado n) deve manter-se tal como foi considerado pelo Tribunal a quo, pelos motivos já referidos e repetidos, uma vez que não se provou que o inversor tenha sido danificado em consequência de qualquer descarga elétrica ocorrida após uma trovoada.
Procede, assim, parcialmente a impugnação da matéria de facto, concretamente em relação aos factos provados 6 e 21 e ao facto não provado m), nos termos expostos, embora as alterações à matéria de facto em nada impliquem com a decisão do processo em termos de direito.
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3. Decisão de Direito
O autor intentou a presente ação, pedindo a condenação da ré A..., S.A. na resolução do contrato e devolução da quantia de €4.800,00, acrescida de juros moratórios desde a citação até efetivo e integral cumprimento e, subsidiariamente, a condenação da ré na reparação e substituição do equipamento vendido. Peticionou, ainda, a condenação da ré B... – UNIPESSOAL, LDA. no reconhecimento que o autor nada lhe deve seja a que título for. E, por fim, a condenação das rés no pagamento ao autor da quantia de €2.884,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a citação até efetivo e integral cumprimento.
Tendo em conta a factualidade que foi alegada e que resultou provada estamos perante um contrato de compra e venda celebrado entre o autor e a primeira ré A..., contrato que tem as características e efeitos referidos na sentença recorrida, que aqui se dão por reproduzidos, até porque a qualificação jurídica da situação em causa não foi impugnada.
Ainda perante a causa de pedir invocada pelo autor, temos de concluir que a sua pretensão se enquadra na venda de coisa defeituosa, no caso, o equipamento mencionado.
A venda de coisas defeituosas está, antes de mais, prevista nos artigos 913.º a 922.º, do Código Civil, afigurando-se evidente, face à noção de coisa defeituosa que nos é dada pelo nº 1 do art. 913.º do Código Civil, ou seja, a coisa vendida que sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, que na situação em apreciação estamos perante um caso de coisa defeituosa, já que o equipamento vendido pela ré A... ao autor, não serviu o fim a que se destinava, por não ter as características necessárias, nomeadamente elementos compatíveis entre si, como sejam a bateria e o inversor, com potências inadequadas, para além de não ter sido devidamente instalado.
Na situação concreta, contudo, tal como se diz na sentença recorrida, estamos perante uma venda de bens de consumo, pelo que haverá que ter em consideração a legislação relativa à defesa do consumidor, nomeadamente o Dec. Lei nº 67/2003, de 08-04, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25-05-1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ele relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores, como do respetivo artigo 1.º, n.º 1, consta (aplicável, tendo em conta a data do negócio celebrado, já que, entretanto, tal diploma foi revogado pelo Dec. Lei nº 84/2021, de 18-10, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2022).
Ora, perante a definição de conformidade, ou falta dela, que é dada pelo art. 2.º do referido diploma legal, e em concreto pelo nº 4 desse preceito, mais evidente se torna que, no caso, estamos perante a venda de coisa defeituosa ou de bem não conforme com o contrato de compra e venda celebrado.
O art. 4.º do dito diploma legal, que prevê os direitos do consumidor em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, atribui ao consumidor os direitos de que seja reposta a conformidade, sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, sendo que, nos termos do nº 5 do mesmo preceito, o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
Vem-se entendendo que, ao contrário do que acontece no regime previsto no Código Civil, de acordo com a legislação especial de defesa do consumidor, este pode optar, sem ter que seguir uma ordem específica ou hierarquia, por qualquer um dos meios que a lei lhe faculta, desde que a sua atuação não constitua abuso de direito.
Acresce que, o consumidor poderá, ainda, valer-se do disposto no art. 3.º do Dec. Lei 67/2003, que estabelece que “O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue” e que “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade”.
Ora, resulta da matéria de facto provada que o equipamento vendido pela A... ao autor não funcionou, não tendo servido os fins a que se destinava, teve que ser substituído, sendo que o novo equipamento também não funciona. As desconformidades que o equipamento apresenta não eram conhecidas do autor, quando celebrou o contrato, contrato que incluía a respetiva instalação.
Posto isto, no caso em apreciação, o autor pretende, a título principal, a resolução do contrato, pedido que lhe deve ser deferido, considerando que se compreende que não mais pretenda manter o negócio, tendo em conta o desenvolvimento da situação, não podendo ser esquecido que mesmo ao terceiro inversor, este continua sem funcionar, nunca mais tendo o autor ficado sem eletricidade em casa, desde que o equipamento se mostra desligado.
Não pode, pois, dizer-se que o autor esteja a exceder os limites que lhe são impostos pela boa fé, atuando em abuso de direito, ao vir exigir a resolução do contrato, em vez da reposição da conformidade, sem encargos, por meio de reparação ou de substituição do equipamento, já tentado sem sucesso.
Como bem se diz na decisão recorrida, pelo que desnecessário se mostra acrescentar outra fundamentação, “A resolução do contrato neste caso surge como justificada à luz do equilíbrio do negócio que as partes celebraram, sendo que a factualidade provada evidencia um quadro de anomalias persistentes no(s) equipamento(s) sujeitos a intervenções frustradas por parte da ré A..., S.A., com notória incúria das mesmas nas intervenções, justificativa de um comportamento de desconfiança por parte do autor no sucesso de uma nova intervenção.
Nesta esteira, extrai-se da factualidade provada, mormente dos itens 7 a 27, que, perante o incumprimento e a inércia patenteada pela ré A..., S.A., a confiança do autor, na competência e na capacidade do devedor para levar a bom termo a tarefa, ficou irremediavelmente afetada, sendo de concluir que se tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual, o que consubstancia justa causa resolutiva, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória exigida pelo regime do artigo 808.º do Código Civil.
Logo, face à conduta omissiva patenteada pela ré A..., S.A., cuja conduta denota, de forma tácita, a intenção de não suprir os defeitos, é forçoso deduzir a vontade desta em não cumprir as obrigações contratuais a que se encontrava vinculada, podendo-se, pois, concluir-se que, em face dessa conduta, o autor perdeu objetivamente o interesse na prestação, o que lhe confere, nos termos do artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil, o direito de resolver o contrato.
Efetivamente, nos termos do citado normativo legal, “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”. O incumprimento, por sua vez, é gerador do direito à resolução do contrato nos termos dos artigos 432.º e 433.º do Código Civil, sendo no caso em apreço, em face da factualidade provada nos autos, manifesta a perda objetiva de interesse do autor na manutenção do negócio que, como tal foi devidamente resolvido.”.
Uma vez assim decidido, os arts, 433.º e 434.º do Código Civil preveem os efeitos da resolução do contrato, entre as partes, fazendo a equiparação da resolução à nulidade ou anulabilidade do contrato, o que, desde logo, implica a devolução do preço pago pelo autor à ré A..., no valor de € 4 800,00 (quatro mil e oitocentos euros), conforme peticionado.
Improcede, pois, o recurso, com exceção da alteração de alguns dos factos impugnados, alteração que, contudo, em nada interfere com a decisão final do processo.
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V - DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente (com exceção da alteração de alguns dos factos impugnados, sem interesse para a decisão), confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).
Porto, 2025-03-06
Manuela Machado
Isabel Rebelo Ferreira
Aristides Rodrigues de Almeida
Fonte: http://www.dgsi.pt