SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão
CÍVEL
Processo

4518.17.8T8LOU.A.P1.S1

Data do documento

23 de janeiro de 2020

Relator

Nuno Pinto Oliveira


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RELEVÂNCIA


Descritores

Contrato de mútuo
Negócio oneroso
Amortização
Garantia real
Hipoteca
Extinção


Sumário

I. — Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização. 

II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidadas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil. 

III. — O art. 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia.

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

1. Em apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes move a Parvalorem, S.A., vieram os Executados AA, BB e CC deduzir embargos.

2. Alegaram, em síntese, I. — a prescrição do crédito exequendo, nos termos do disposto no art. 310,º, alínea e), do Código Civil, II. — a prescrição da a obrigação cambiária consubstanciada na livrança dada à execução, nos termos do art. 70.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.

3. A Exequente Parvalorem, S.A., contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.

4. Alegou, em síntese, I. — que o título executivo é uma escritura e — II. — que, ainda que a livrança não reúna condições para valer como título de crédito, pode ser utilizada como título executivo.

5. A 1.ª instância julgou os embargos parcialmente procedentes e, em consequência, determinou:

I. — A extinção parcial da acção executiva instaurada pela Exequente contra os Executados AA e BB;

II. — O prosseguimento da acção executiva contra a Executada / Embargante CC apenas quanto à hipoteca voluntária constituída sobre o imóvel descrito) e contra a executada Real Intenção, S.A. (nos termos do art. 54.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

6. Inconformadas, a Exequente Parvalorem, S.A., e a Executada / Embargante CC interpuseram recurso de apelação.

7. A Exequente Parvalorem, S.A., finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Versa o presente recurso o despacho saneador-sentença que julgou parcialmente procedente os embargos de executado movidos por dois executados.

2. Entendeu o tribunal a quo que, em função dos documentos juntos aos autos, perante a prescrição da livrança, estaria igualmente afastada a possibilidade da ora recorrente se socorrer daquele título enquanto quirógrafo, uma vez que não provou que os executados, para além do aval, se constituíram fiadores da obrigação principal.

2. Não pode a recorrente aceder a esta conclusão, pelo menos neste momento, isto é, antes de ser produzida toda a prova requerida, mormente testemunhal, em sede de audiência de discussão e julgamento.

3. Desde logo porque, ao passo que o tribunal recorrido se basta com uma referência e remissão para o constante no pacto de preenchimento, o que resulta de modo inexorável dos documentos juntos aos autos é que, para além do pacto de preenchimento respeitante à livrança, os embargantes também assinaram o contrato de mútuo determinante da relação subjacente.

5. Vale por isto dizer que o tribunal, ao enveredar por uma decisão no despacho saneador, impediu a produção de prova arrolada pela embargada, tendente à evidenciação do comportamento dos embargantes.

6. Por similar e pertinente, remetemos para o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães, de 11/07/2017, de onde consta: “Com efeito, tendo em conta o aludido critério de atender às várias soluções plausíveis de direito, impõe-se, no caso concreto, que a decisão a proferir, em sede de mérito, deva aguardar a produção dos meios de prova oferecidos ou que venham a ser produzidos pelas partes, seja em sede da fase instrutória do processo, seja em sede da audiência final, no que concerne à aludida factualidade alegada pela autora e que ainda se mostra controvertida.

7. Entendemos, pois, que a prática judiciária tem vindo a evidenciar um reduzido número de decisões finais proferidas em sede de despacho saneador, versando estas, sobretudo, matérias dependentes de meios de prova plena, o que, manifestamente, não é a situação em apreço.

8. Resultando dos autos, no mínimo indiciariamente, que os embargantes tomaram conhecimento direto e pessoal com o contrato de mútuo determinante da relação causal, sempre deveria persistir algum tipo de dúvida na formação da convicção do julgador.

9. Dúvida que se traduz no ónus da prova que incide sobre a embargada e que se vê impossibilitada de cumprir, não tendo os autos prosseguido para julgamento, admitindo-se a produção de prova requerida.

10. Com a atuação em crise o tribunal recorrido violou o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 595º do C.P.C. e o nº 4 do artigo 20º da CRP.

8. A Executada / Embargante CC finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa sobre matéria de direito, procedendo da sentença que, no modesto entendimento da recorrente, incorreu em omissão de pronúncia.

2. Das questões de facto/direito que os executados/embargantes submeteram a apreciação, a sentença não se pronunciou sobre se o crédito exequendo se encontra ou não prescrito e se a cedente do crédito à exequente atuou, ou não, com abuso de direito.

3. Decorre assim que o tribunal não apreciou de questões que importava apreciar, tendo a sentença sido absolutamente omissa quanto a tais questões.

4. A sentença recorrida apenas cuidou de apreciar se a livrança dada à execução se encontra prescrita e se, nesse caso, a livrança era inexequível enquanto quirógrafo, e se existia, ou não, uma obrigação de garante por parte da executada/embargante/recorrente face à celebração de uma escritura pública em que constitui uma hipoteca voluntária sobre um bem imóvel de que era co-proprietária.

5. Ao não se ter pronunciado sobre as aludidas questões, a sentença incorreu na nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do artigo 615º do C.P.C., nulidade que expressamente se invoca.

6. O tribunal foi ainda do entendimento - que verteu na sentença recorrida - que, pelo facto da recorrente e demais embargantes terem apostado as suas assinaturas como avalistas e não como outorgantes do contrato de mútuo de 2009, padeciam de ilegitimidade para invocar o incumprimento do contrato de mútuo pelo BPN (celebrado em 2003) e para invocar a nulidade do contrato de mútuo celebrado em 2009, por força da alegada “usura.

7. Crê a recorrente que o tribunal, neste conspecto, incorreu em contradição com a sua fundamentação.

8. Pois que, tendo a sentença começado por afirmar que a recorrente deve assumir os valores em dívida, não como avalista, mas como devedora originária e garante da dívida exequenda, diz-nos adiante que a recorrente carece de legitimidade para invocar o incumprimento do contrato e a nulidade por usura, porquanto apenas foi avalista e não outorgante do mesmo.

9. A decisão do Tribunal no tocante a tal (i)legitimidade da recorrente para invocar o incumprimento do contrato de mútuo pelo BPN - celebrado em 2003 - e para invocar a nulidade do contrato de mútuo celebrado em 2009, por força da alegada “usura”, assenta assim em fundamentos contraditórios.

10. Tal contradição de fundamentos, torna a sentença ambígua e, consequentemente, ininteligível. Por via disso, a sentença encontra-se igualmente ferida de nulidade - aliínea c) do aludido artigo 615º do C.P.C.

11. Ainda que se entenda que a sentença não incorreu na nulidade prevista nesta alínea c) do artigo 615º do C.P.C., sempre se entende que o tribunal andou mal ao concluir pela aludida falta de legitimidade da recorrente.

12. Como resulta dos autos, o contrato de mútuo celebrado em 2003 - e cujo incumprimento pela cedente é invocado pelos embargantes e que, nos termos por estes alegados, conduziu a que fosse celebrado o contrato de mútuo de 2009 - teve como mutuários a aqui recorrente CC e o seu marido, tendo sido estes quem, para garantia de tal contrato de mútuo, constituíram a favor da cedente a hipoteca sobre o imóvel penhorado nos presentes autos.

13. Ao que, atendendo a que foi por força do contrato de mútuo celebrado em 2003 que a embargante/recorrente constituiu a hipoteca sobre o dito imóvel e que o processo executivo foi instaurado por alegado incumprimento do contrato de mútuo de 2009 - este, na versão dos embargantes, embrionariamente ligado aqueloutro -, quer-nos parecer que, contrariamente ao vertido na sentença, a recorrente possui inteira legitimidade para arguir - como arguiu - a nulidade deste último contrato por usura e/ou abuso de direito.

14. Ao ter decidido como decidiu, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 607º, nºs 4 e 5, do C.P.C., tendo ainda incorrido nas nulidades previstas nas alíneas c) e d) do artigo 615º do mesmo diploma, devendo tais nulidades serem declaradas, com as necessárias consequências.

A Exequente Parvalorem, S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso da Executada / Embargante CC.

9. O Tribunal da Relação do Porto julgou procedente a apelação da Executada CC e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, considerou extinta a execução.

10. Inconformada, a Exequente Parvalorem, S.A., interpôs recurso de revista.

11. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Como questão prévia incontornável à presente revista surge a necessidade de corrigir o lapso manifesto ou, se assim não se entender, na verdadeira nulidade vertida no Acórdão recorrido.

2. Resulta do douto Acórdão de que ora se recorre – por respeito à sentença de primeira instância igualmente apelada – que “Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador destinado a conhecer do mérito da causa nos termos do artigo 595º, nº 1, alínea b), do C.P.C., no qual os embargos foram julgados parcialmente procedentes e, em consequência, determinado: 1) A extinção parcial da ação executiva instaurada pela exequente contra os executados AA e BB; 2) O prosseguimento da ação executiva contra a executada/embargante CC (apenas quanto à hipoteca voluntária constituída sobre o imóvel descrito) e contra a executada Real Intenção, S.A. (nos termos do artigo 54º, nº 2, do C.P.C.).” (sublinhado nosso).

3. Acabou o Venerando Tribunal a quo por decidir: “Tendo a exequente instaurado a execução em 30.11.2017, o crédito exequendo composto por capital e juros encontrava-se prescrito desde 18.5.2015, por força do disposto nos citados artigos 307º e 310º, alíneas d) e e), do C.C. Verifica-se, pois, a exceção perentória da prescrição e consequente extinção da execução. Procede o recurso da executada CC e fica prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada na apelação da exequente Parvalorem, S.A. – prosseguimento do processo para a fase de instrução. Decisão: Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação da executada CC e,consequentemente,revogandoadecisão recorrida, considerarextinta a execução.” (sublinhados nossos).

4. Ora, dúvidas não há que os embargos de executado subjacentes aos presentes recursos foram exclusivamente deduzidos pelos executados AA, BB e CC.

5. A sobejante co-executada REAL INTENÇÃO,S.A. não deduziu embargos de executado, não tendo, sequer, por qualquer meio, manifestado qualquer intenção temporânea de fazer sua a defesa apresentada pelos demais co-executados.

6. Vale por isto dizer que, mesmo a considerar procedente o recurso interposto por uma co-executada, julgando provada a prescrição por ela alegada, não podia estender os efeitos dessa prescrição a todos os executados e determinar a extinção da execução.

7. Com efeito, a prescrição enquanto meio defesa pessoal, carece de alegação por parte do interveniente que daquela se pretenda aproveitar.

8. A título de exemplo socorremo-nos do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/09/2008, Proc. n.º 08A1918, ainda actual e cabal:

“I - A excepção de prescrição invocada pelo executado marido não aproveita à executada mulher dado tratar-se de um meio pessoal de defesa de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente, tendo, portanto, de ser invocado por quem dele se pretende aproveitar - art. 303.º do CC - e porque, tratando-se de dívida solidária, tem aplicação o disposto nos arts. 514.º e 521.º do mesmo diploma.

II - Dado o efeito da prescrição, o que deve ser executado é a meação da executada esposa nos bens comuns e se tal não for suficiente os bens próprios da referida executada. Na verdade, apenas os bens próprios da executada esposa responderão pela dívida de juros, na parte em que essa dívida foi declarada prescrita em relação ao executado marido, visto que a meação da executada esposa nos bens comuns apenas a ele pertence, isto é, trata-se de bens próprios dela.” (sublinhados nossos).

9. Com precisão e respeito ao vertido nos arts. 303.º, n.º 1 do art. 514.º e art. 521.º, todos do CC, incorre em lapso manifesto o douto julgador a quo, operando uma verdadeira substituição à co-executada não embargante, conhecendo de modo oficioso uma excepção, num exercício que lhe está irremediavelmente vedado.

10. Uma vez mais à guisa de exemplo, optamos por nos socorrer do douto Ac. da Relação de Évora, de 08/06/2017, Proc. n.º 2324/15.3T8STR.E1, de onde retiramos:

“Como é consabido, o tribunal não pode suprir, de ofício a prescrição, carecendo esta excepção de ser invocada, uma vez que se trata de um meio de defesa pessoal, por quem dela se pretende aproveitar (art.º 303º do Cód. Civil).

Estando em presença de uma obrigação solidária, pelo lado passivo, rege o disposto no artº521º do mesmo código, donde resulta, aliás, que o devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição. ( cfr. nº2).

Por conseguinte, não tendo os demais RR — condevedores solidários — contestado a acção e aí invocado a prescrição da obrigação cujo pagamento lhes estava (também) a ser reclamado, a procedência da excepção invocada pelo Réu CC não se lhes aproveita, não podendo ter sido, por isso, absolvidos do pedido, no despacho saneador, com tal fundamento.” (sublinhados nossos)”

11. Destarte, salvo melhor e douto entendimento, incorre o Acórdão recorrido em lapso manifesto ou está ferido de nulidade – por excesso de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC – pelo que, nos termos do n.º 1 do art. 617.º do CPC, aplicável ex vi n.º 1 do art. 666.º do mesmo diploma, se requer a pronúncia do Venerando julgador a quo.

12. Sem prescindir, e no que à revista de per si diz respeito, prevê a al. c) do n.º 1 do art. 672.º do CPC a possibilidade de recurso de revista, mesmo nos casos em que há concordância entre a primeira instância e a Relação, desde que a decisão desta última “…esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

13. Cumprindo o ónus que sobre si impende, nos termos da al. c) do n.º 2 deste mesmo art. 672.º do CPC, evidencia-se a identidade e contradição existente sobre a mesma questão fundamental de direito, que se reduz ao apuramento do qual o prazo de prescrição aplicável ao valor em dívida, uma vez operada a resolução contratual e verificada a perda do benefício do prazo.

14. Conforme resulta do próprio Acórdão recorrido, proliferam decisões de instâncias superiores que sustentam a visão, não sem ele próprio evidenciar que, ainda assim, não se trata de uma questão pacífica e muito menos sedimentada, acabando por plasmar ele próprio um rol de decisões superiores contrárias ao seu entendimento.

15. Assim, para além destas, opta a ora recorrente por se socorrer de um outro Acórdão Fundamento, como seja o da Relação de Coimbra, de 12/06/2018, Proc. n.º 17012/17.8YIPRT.C1.

16. Incorrendo na querela em discussão, cremos ser seguro reduzi-la à seguinte dicotomia: perante um incumprimento e uma vez operada a resolução e vencimento antecipado das prestações decorrentes de um contrato de mútuo nos termos do disposto nos arts. 781.º e 817.º do CC, temos, por um lado (Acórdão recorrido) que estamos perante várias prestações periódicas, que consubstanciam quotas de amortização de capital pagáveis com juros e, nessa medida, sujeitas a um prazo prescricional uno de cinco anos, nos termos da al. e) do art. 310.º do CC; por outro lado (Acórdão fundamento), que estaremos perante uma prestação global, decorrente da perda de benefício do prazo, correspondente – no mínimo – ao capital em dívida, ao qual será sempre de aplicar o prazo ordinário de prescrição de vintes anos, nos termos do art. 309.º do CC.

17. Cremos – sem qualquer sobranceria – que os argumentos e teses em confronto são já do inteiro e sedimentado conhecimento do Venerando Tribunal ad quem, pelo que nos limitamos a evidenciar a propensão para e adesão à tese constante do Acórdão fundamento.

18. Em bom rigor, sempre salvo o devido respeito, é entendimento da recorrente que contaminar o prazo de prescrição de cinco anos à totalidade da dívida, designadamente o capital, é operar uma interpretação verdadeiramente supra literal.

19. Isto porque, atenta a redacção da norma “As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”, no entendimento da recorrente, tudo nela aponta para um carácter fraccionado e parcial, como sejam o vocábulo quota (vs. totalidade) ou amortização (vs. liquidação).

20. Estender um prazo de prescrição claramente vocacionado para segmentos a uma universalidade não pode deixar de configurar uma surpresa para o credor, mesmo para aqueles menos expeditos e cuja ratio das normas atinentes à prescrição visa sancionar.

21. Só assim se compreende, por exemplo, que um título executivo mero quirógrafo – em função da verificação da prescrição decorrente do art. 70.º da LULL – mantenha a sua exequibilidade, desde que alegada e provada a relação subjacente consubstanciadora de uma verdadeira assunção de dívida, por respeito ao prazo ordinário de prescrição, isto é, de 20 anos.

22. Veja-se, por exemplo, o Ac. da Relação de Guimarães, de 10/07/2018, Proc. n.º 5245/16.9T8GMR-C.G1.

23. Ou seja, afastada as características favoráveis ao credor, decorrentes da relação cartular, necessariamente se repristina a dívida total de globalmente considerada.

24. Nessa senda surgindo a conclusão lógica e necessária inserta no Acórdão fundamento, “Portanto, o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como a dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data do incumprimento.”

25. Perante uma mesma questão fundamental de direito - aplicação do prazo prescricional vertido na al. c) do art. 310.º ou ao prazo vertido no art. 309.º do CC – julga-se adequada e necessária a intervenção do Venerando Tribunal ad quem.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V.AS EX.AS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ A PRESENTE REVISTA SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADA, E:

— SER O ACÓRDÃO RECORRIDO ALVO DE RECTIFICAÇÃO, DANDO-SE SEM EFEITO A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO, EM VIRTUDE DO LAPSO MANIFESTO;

— SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, SER O ACÓRDÃO RECORRIDO PARCIALMENTE REVOGADO, EM VIRTUDE DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA, DANDO-SE SEM EFEITO A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO;

SEM PRESCINDIR,

— SEMPRE DEVERÁ REVOGAR-SE O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO, SUBSTITUINDO-O POR OUTRO DETERMINANTE DO PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS PARA ULTERIORES TERMOS E QUE SE PRONUNCIE SOBRE OS FUNDAMENTOS DE RECURSO OFERECIDOS PELA ORA RECORRENTE, ASSIM SE FAZENDO A HABITUAL E NESSÁRIA JUSTIÇA.

12. A Executada / Embargante CC contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

13. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

14. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questõs a decidir, in casu, são as seguinte:

I. — se a dívida prescreveu, por aplicação do art. 301.º, alínea a), do Código Civil; II. — se, tendo prescrito a dívida, a execução deve prosseguir contra a Real Intenção, S.A..

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

15. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. Por escritura outorgada em 23/12/2010 no Cartório Notarial …, … a cargo da Notária DD exarada de fls. 94 do Livro 151, o BPN - Banco Português de Negócios, S.A., (...) cedeu à Parvalorem, S.A., ora exequente, os créditos (constantes do Documento Complementar-A), com todos os seus direitos, garantias e demais acessórios, sem reservas ou exceções, salvo quando se estabeleça em contrário no referido documento complementar, conforme escritura junta nos autos de execução que aqui se dá por integralmente por reproduzido;

2. Tal cessão comportou, relativamente a todos os créditos cedidos, a transmissão para a exequente “de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, designadamente hipotecas constituídas para a sua garantia, bem como a posição processual do cessionário nos processos identificados na referida listagem que constitui documento complementar anexo a esta escritura, relativamente a cada um dos Créditos ora cedidos”, como tudo se infere e prova pelas extratadas cópias da referida escritura de cessão e documento complementar, constando da verba cinco, o crédito concedido à sociedade Alcino Pereira Valente, Móveis - Lda., documento junto com os autos de execução que aqui se dá por integralmente por reproduzido;

3. A esta sociedade Alcino Pereira Valente — Móveis, Lda., foram concedidos dois créditos: o primeiro no valor de €129.897,00 através de um contrato de mútuo celebrado a 13/10/2009 e o segundo no valor de €9.123,00 resultante de um descoberto na conta nº 8…7, documento junto com os autos de execução que aqui se dá por integralmente por reproduzido;

4. Por escritura pública celebrada no dia 02/12/2003, no Cartório Notarial de Competência Especializada …, registada a fls. 10 no Livro 17-A, EE e mulher CC para garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e /ou a assumir pelos próprios ou pela sociedade Alcino Pereira Valente - Móveis, Lda., (...) constituem uma hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, com todo o que o compõe, sito no lugar de …, da freguesia de …, concelho de … sob o nº 379, com registo de aquisição G-Um, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o nº 1.237;

5. A sociedade Alcino Pereira Valente — Móveis, Lda., foi declarada insolvente no Processo nº 1526/10.3T… que correu termos no extinto … Juízo do Tribunal Judicial de … e o avalista EE foi declarado insolvente nos autos que correram os seus termos sob o n.º 1806/10.8T…, igualmente no extinto … Juízo, não tendo a exequente recebido qualquer quantia para pagamento da dívida ora exequenda;

6. A exequente e a sociedade insolvente estipularam no contrato de mútuo celebrado e a que se alude em 3., uma cláusula onde consta: “artigo décimo segundo (Garantias de Cumprimento) que os valores que se mostrarem em dívida ao BPN ficam caucionados pela livrança em branco subscrita pela mutuária e avalizada por EE, CC, AA e BB, destinada a garantir o pagamento de todas as responsabilidades, assumidas ou a assumir pela mutuária perante o BPN, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até ao limite de cento e quarenta e sete mil e seiscentos euros, acrescidos de juros, despesas e encargos, incluindo, por isso, os valores emergentes deste contrato, juntamente com a livrança, a mutuária entrega ao BPN a correspondente autorização de preenchimento, assinada por si e pelos avalistas. 2 Os valores que se mostrarem em dívida ao BPN ficam também garantidos pela hipoteca sobre o seguinte imóvel de que são proprietários EE e mulher CC (…)”;

7. Esta livrança em branco foi entregue à exequente, subscrita pela mutuária sociedade insolvente e avalizada por EE, AA, BB e CC, tendo sido aposta a assinatura de todos os avalistas na missiva “Envio de Livrança -Autorização de Preenchimento” com data de 13/10/2009 (Cfr. cópia da Livrança em branco e documento junto aos autos);

8. A Insolvente incumpriu o contrato de mútuo celebrado, uma vez que deixou de proceder ao pagamento das rendas a que se obrigou, não tendo a mesma, nem os avalistas, ora executados, regularizado a situação de incumprimento;

9. Atento este incumprimento, foi o contrato de mútuo resolvido em 18/05/2010, conforme resulta de carta junta aos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

10. A exequente procedeu ao preenchimento da livrança, em 18/05/2010, pelo valor de € 142.133,43, com data de vencimento a 31/05/2010, conforme consta do título executivo dos autos de execução;

11. A execução de que estes autos constituem um apenso deu entrada em juízo no dia 30/11/2017;

12. Os embargantes foram citados para a execução a 10/01/2018, conforme os documentos juntos aos autos.

13. O contrato de mútuo identificado no ponto 3 tinha a duração de 7 anos, devendo a quantia mutuada ser reembolsada em 84 prestações mensais e sucessivas, acrescidas de juros compensatórios convencionados e demais encargos.

O DIREITO

16. A primeira questão consiste em determinar se a dívida prescreveu, por aplicação do art. 301.º, alínea e), do Código Civil.

17. A Exequente Parvalorem, S.A., admitindo a hipótese de se sustentar que há dupla conforme, no sentido do art. 671.º, n.º 3, alega que a revista deve ser admitida como revista excepcional, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do art. 672.º do Código de Processo Civil.

18. Ora, no caso concreto, não há dupla conforme e, por consequência, não é necessária a remessa dos autos à Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Em primeiro lugar, não há dupla conforme pela razão de que a Relação não confirmou a decisão da 1.ª instância sobre a continuação — sobre o prosseguimento — da acção executiva contra CC. Em segundo lugar, não há dupla conforme pela razão de que a Relação confirmou a decisão da 1.ª instância sobre a extinção da acção executiva contra AA e BB com fundamentação essencialmente diferente — a 1.ª instância pronunciou-se sobre a prescrição da obrigação cartular, por aplicação do art. 70.º, por remissão do art. 77.º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças e a Relação, sobre a prescrição da dívida dos Executados, por aplicação do art. 310.º do Código Civil.

19. O art. 310.º, alínea e), do Código Civil determina que “[p]rescrevem no prazo de cinco anos [a]s quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” e o problema está em averiguar se o prazo de cinco anos deve aplicar-se à dívida, considerada no seu conjunto ou na sua globalidade [1]. A Exequente Parvalorem, S.A., alega que a obrigação de restituição da quantia mutuada é uma obrigação unitária de prestação fraccionada ou repartida e que deve aplicar-se-lhe o prazo ordinário de prescrição do art. 309.º do Código Civil. A Executada CC contra-alega que, ainda que a obrigação de restituição da quantia mutuada seja uma obrigação unitária de prestação fraccionada ou repartida, deve aplicar-se o prazo curto de prescrição — de cinco anos — do art. 310.º, alínea e) do Código Civil.

20. O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se no sentido de que o acordo entre credor e devedores era um plano de amortização fraccionada em prestações do capital e dos juros correspondentes e de que devia aplicar-se às prestações do capital e dos juros o prazo curto de prescrição do art. 310.º, alínea e), do Código Civil — e a interpretação do art. 310.º, alínea e), contida no acórdão recorrido é conforme à jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça.

21. Os contratos de mútuo constituem o caso paradigmático de acordos de amortização:

A obrigação unitária assumida pelos mutuários é “compartimentada num mútuo e respectivos juros” [2]. Está em causa uma “obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais” [3]. A obrigação unitária, compartimentada num mútuo e respectivos juros, “converte-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global” [4]. Estando em causa uma “obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado”, a dívida “[seria] amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento” [5].

O acordo pelo qual se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se “compartimenta” é uma quota de amortização. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil [6].

22. Entre as alíneas e) e f) do art. 310.º do Código Civil há uma diferença:

A alínea f) aplica-se a prestações periodicamente renováveis, ou seja, a uma “uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo” [7], e a alínea e) do art. 310.º aplica-se a uma única obrigação, a “uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações” [8].

Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2005 — processo n.º 05A2695 —, o termo prestações periodicamente renováveis da alínea f) do art. 310.º do Código Civil designa prestações com trato sucessivo, e as prestações com trato sucessivo caracterizam-se pela presença de uma nota de autonomia. Em prestações com trato sucessivo, há uma “conexão intrínseca entre as prestações periódicas e os ‘diversos espaços temporais em que é possível seccionar a sua duração global’, havendo como que ‘uma certa autonomia de cada uma das prestações dentro de um programa contratual in fieri’” [9].

O termo quotas de amoritzação da alínea e) do art. 310.º do Código Civil, esse, designa prestações fraccionadas ou repartidas, e as prestações fraccionadas ou repartidas caracterizam-se pela ausência de toda e qualquer nota de autonomia — as prestações fraccionadas ou repartidas são "puros modos de concreção de um programa acabadamente definido” [10].

23. Embora entre os casos das alíneas e) e f) haja uma diferença, o art. 310.º do Código Civil equipara-os:

“… o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que — por explicita opção legislativa — esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição” [11].

O regime das prestações autónomas periodicamente renováveis, como os juros, absorve o regime das prestações unitárias, fraccionadas ou repartidas:

“… o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310.º” [12].

23. Os factos dados como provados sob os n.ºs 3 e 13 são os seguintes:

3. A esta sociedade Alcino Pereira Valente - Móveis, Lda., foram concedidos dois créditos: o primeiro no valor de €129.897,00 através de um contrato de mútuo celebrado a 13/10/2009 e o segundo no valor de €9.123,00 resultante de um descoberto na conta nº 8…7, documento junto com os autos de execução que aqui se dá por integralmente por reproduzido;

13. O contrato de mútuo identificado no ponto 3 tinha a duração de 7 anos, devendo a quantia mutuada ser reembolsada em 84 prestações mensais e sucessivas, acrescidas de juros compensatórios convencionados e demais encargos.

O facto provado sob o n.º 13 é suficiente para que se sustente que há um plano de amortização, que as prestações mensais de restituição da quantia mutuada são quotas de amortização do capital e que as quotas de amortização do capital são pagáveis com os juros.

Em primeiro lugar, há um plano de amortização — “O contrato de mútuo […] tinha a duração de 7 anos, devendo a quantia mutuada ser reembolsada em 84 prestações mensais e sucessivas”. Em segundo lugar, as prestações mensais de restituição da quantia mutuada são quotas de amortização do capital. Com as prestações mensais e sucessivas pretende-se o reembolso da quantia, ou seja, a amortização do capital mutuado. Em terceiro lugar, as quotas de amortização do capital são pagáveis com os juros: “… a quantia mutuada [devia] ser reembolsada em 84 prestações mensais e sucessivas, acrescidas de juros compensatórios convencionados e demais encargos”.

24. A razão justificativa da equiparação entre as prestações periodicamente renováveis e as prestações fraccionadas ou repartidas, correspondentes a quotas de amortização, está na ponderação dos interesses do credor e do devedor [13] — e a razão justificativa da equiparação entre as prestações periodicamente renováveis, e as prestações fraccionadas ou repartidas, correspondentes a quotas de amortização do capital, exige que o prazo de prescrição de cinco anos se aplique à “totalidade de tais prestações globais e parceladas” [14].

25. O facto dado como provado sob o n.º 9 — “Atento este incumprimento, foi o contrato de mútuo resolvido em 18/05/2010, conforme resulta de carta junta aos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais” — em nada altera as premissas, ou a conclusão, do raciocínio. Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2018 — processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 —,

“A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil […]” [15].

26. Em concreto, o contrato de mútuo foi resolvido [16] e a livrança, por que se garantia o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo, foi preenchida em 18 de Maio de 2010 [17], com data de vencimento a 31 de Maio de 2010 [18]; a acção executiva foi proposta no dia 30 de Novembro de 2017 [19] e os Executados foram citados para a execução no dia 10 de Janeiro de 2018 [20]; entre a data da resolução do contrato, com o vencimento da totalidade da dívida, e a data da citação dos Executados para a propositura da acção executiva passaram mais de sete anos.

27. Em resposta à primeira questão deverá dizer-se que a dívida prescreveu, por aplicação do art. 301.º, alínea e), do Código Civil.

28. A segunda questão consiste em determinar se se, tendo prescrito a dívida, a execução deve prosseguir contra a Real Intenção, S.A..

29. A Exequente Parvalorem, S.A. alega que os Executado AA, BB e CC deduziram embargos de executado e invocaram a excepção de prescrição; que a Real Intenção, S.A., não deduziu embargos de executado e não invocou a excepção de prescrição; que o acórdão recorrido, ao conhecer da excepção de prescrição relativamente à Real Intenção, S.A., conheceu oficiosamente de uma excepção de que não podia conhecer; e que, em consequência, ou bem que o acórdão recorrido incorreu em lapso manifesto, ou bem que é nulo, por excesso de pronúncia nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

30. A Executada CC contra-alega que “… [a] extinção da execução quanto à executada Real Intenção SA não decorre da extensão dos efeitos da prescrição invocada pelos co-executados” e que “[a] causa da extinção da execução quanto a esta executada, tal como determinada pelo douto acórdão recorrido, decorre da extinção da obrigação exequenda, nos termos do disposto na alínea a) do art. 730º do Código Civil”.

31. Ora a 1.ª instância determinou o prosseguimento da ação executiva contra a Executada Real Intenção, S.A. nos termos do art. 54.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

A Real Intenção, S.A., adquiriu o prédio sobre o qual fora constituída hipoteca “para garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pelos próprios [EE e mulher CC] ou pela sociedade Alcino Pereira Valente — Móveis, Lda.” [21] — e o art. 54.º, n.º 2, do Código de Processo Civil determina que “[a] execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia […]” [22].

32. O art. 54.º, n.º 1, do Código de Processo Civil deverá coordenar-se com o art. 730.º, alínea a), do Código Civil — “A hipoteca extingue-se [p]ela extinção da obrigação a que serve de garantia” [23] e, da coordenação entre os dois artigos decorre que “[…] a prescrição da obrigação principal se reflecte […] no crédito hipotecário” [24] Os termos em que a prescrição da obrigação principal se reflecte no crédito hipotecário exigem em todo o caso um esclarecimento.

Em primeiro lugar, deverá esclarecer-se que o decurso do prazo de prescrição não extingue o direito [25]. O art. 304.º do Código Civil, ao dizer que “o beneficiário [tem] a faculdade de recusar o cumprimento da [obrigação] ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”, está a dizer que o beneficiário da prescrição tem um contra-direito ou uma excepção material [26] e, dentro das excepções materiais, uma excepção em sentido específico [27]. Em segundo lugar, desde que o beneficiário da prescrição actue ou exerça o seu contra-direito ou excepção material, recusando o cumprimento, a obrigação civil converte-se em obrigação natural [28].

O art. 404.º do Código Civil determina de qualquer forma que “[a]s obrigações naturais [só] estão sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coactiva da prestação” — e as garantias, como a hipoteca, relacionam-se com a realização coactiva da prestação. O art. 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia.

33. Em concreto, a prescrição da dívida, desde que seja invocada pelo devedor, faz com que se extinga o direito de exigir judicialmente o pagamento, a extinção do direito de exigir judicialmente o pagamento faz com que se extinga a hipoteca e a extinção da hipoteca faz com que se extinga a execução contra a Real Intenção, S.A. A Real Intenção, S.A., deixou de ser um terceiro garante da obrigação e, como tenha deixado de ser terceiro garante, Exequente não pode pretender fazer valer a garantia.

34. Em resposta à segunda questão, deve dizer-se que, tendo prescrito a dívida dos Executados, a execução não deve prosseguir contra a Real Intenção, S.A.

O acórdão recorrido não incorreu nem em lapso, muito menos em lapso manifesto, nem em nulidade por excesso de pronúncia ao ter declarado extinta a execução.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente Parvalorem, S.A..



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