Eva Dias Costa

Publicado: 29 de julho de 2019

Comentário Jurisprudencial
CÍVEL


Fraturas do Direito Matrimonial Português Contemporâneo: Opinião a propósito do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de junho de 2019


 
  1. O Acórdão

O Tribunal da Relação do Porto proferiu a 25 de junho de 2019 [1] decisão que sumariou assim:

«I - Assiste-se atualmente na nossa sociedade a uma tendência que aponta no sentido da descontratualização da comunhão de vida entre duas pessoas, de tal modo que hoje se prefere, tantas e tantas vezes, à contratualização que o casamento significa, a maior liberdade que uma mera união de facto concede.
II - Se duas pessoas que vivem em união de facto têm toda a liberdade para a qualquer momento converter o seu relacionamento afetivo em casamento, também se deve conceder a possibilidade inversa a quem esteja casado de transformar o seu relacionamento afetivo em mera união de facto, recorrendo para tal efeito à figura do divórcio por mútuo consentimento.
III - O divórcio por mútuo consentimento não implica, forçosamente, uma prévia rutura da vida em comum, podendo ser decretado mesmo quando, entre ambos os interessados, permaneça uma situação de vida em comum, bastando que a vontade convergente dos dois seja no sentido do divórcio.»

O Tribunal fora chamado a pronunciar-se numa situação em que um casal, marido e mulher, tinha procurado divorciar-se na Conservatória do Registo Civil, por mútuo consentimento, ao abrigo do disposto nos artigos 1775.º e seguintes do Código Civil.

No acordo a que se referem a alínea b) do n.º 1 do artigo 1775.º e o artigo 1776.º-A, relativo à regulação das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, os então ainda cônjuges afirmaram que continuariam a viver juntos, no mesmo local, “na residência que constitui a casa de morada de família, e que a menor continuará também a residir em conjunto com os progenitores” .

O Ministério Público, chamado a pronunciar-se sobre este acordo nos termos do artigo 1776.º-A, não deu parecer favorável, por considerar que não existia, afinal, dissolução familiar.

Convidados a modificar os termos do documento, os requerentes reafirmaram que mantinham o propósito de viverem em situação de união de facto após a dissolução do casamento por divórcio” e o Ministério Público, consequentemente, manteve o seu parecer desfavorável.

Remetido o processo ao Tribunal nos termos do artigo 1778.º autor e ré, em tentativa de conciliação, continuaram a defender que não havia necessidade de regular as responsabilidades parentais, na medida em que pretendiam “continuar a residir na mesma casa em união de facto e economia comum”.

Apesar da oposição do Ministério Público à homologação do acordo nestes termos, o Tribunal da primeira instância concordou com as partes e considerou não haver, em tais circunstâncias, necessidade de regular as responsabilidades parentais. Homologou os restantes acordos e decretou o divórcio.

O Ministério Público, inconformado, recorreu e alegou que a partes usaram o processo de divórcio para conseguir um fim proibido, considerando que “quando duas pessoas casadas querem continuar a fazer vida de casadas mas pretendem dissolver o vínculo conjugal fazem-no certamente por razões patrimoniais e, muito comummente, para se subtraírem a responsabilidades que de outro modo manteriam” pelo que a primeira instância deveria ter obstado a esse fim anormal nos termos do artigo 612.º do Código de Processo Civil.

O Tribunal da Relação do Porto, chamado a decidir, colocou bem a questão fundamental: poderá, no atual regime, existir divórcio sem que, na verdade, tenha havido rutura da vida em comum?

A decisão em apreço tece algumas considerações históricas e sociológicas, para acabar por afirmar que “o casamento é hoje na sociedade portuguesa, em sintonia com a sociedade ocidental, mesmo na perspetiva meramente contratual já despojada da sua natureza sacramental, uma instituição em declínio”.

Há, parece-me, que contextualizar esta afirmação.

 
  1. O casamento é um contrato?

O casamento, diz o artigo 1577.º do Código Civil, é um contrato mediante o qual duas pessoas pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida.

Será assim? A verdade é que, não sendo positivista, não creio que se possam extrair definitivas conclusões normativas dos termos que o legislador utiliza.

Assim como a família não é uma criação da sociedade (LEITE DE CAMPOS, et al., 2016), também o casamento não é uma criação do Direito [2].

Ao longo da história foram várias as formas como o direito tentou incorporar esta instituição, a que não foram alheias as conceções sociais – e morais e religiosas – dominantes em cada binómio espaço/tempo.
É comummente aceite a tese [3] de que no direito romano clássico o casamento era um acordo de vontades à disposição das partes, que só se mantinha durasse a affectio maritalis e que, como tal, cessaria - por caducidade - quando este elemento subjetivo desaparecesse [4] [5]. O divórcio, era, portanto, na época clássica, uma consequência necessária de o matrimónio exigir um consenso continuado (JUSTO, 2008).

Foi o Cristianismo que transformou o casamento num sacramento e, consequentemente, numa instituição religiosa, divina [6] (LEITE DE CAMPOS, 2011).

O Direito incorporou paulatinamente esta ideia: com a influência do Cristianismo em Constantino, o casamento romano passou a ser muito mais um vinculum decorrente do consentimento inicial dos nubentes do que uma relação de facto que só perdurava enquanto persistisse o consenso (ALVES, 1995).

O Cristianismo deslocou a natureza meramente fática do casamento para o plano jurídico e religioso e veio dar ao consentimento inicial dos cônjuges uma importância decisiva (JUSTO, 2008).

O casamento é, para o direito canónico, um sacramento, um ritual gerador de Graça, assente num consenso inicial dos cônjuges, mas indissolúvel. O Concílio de Trento, ao identificar dois elementos separados – contrato e sacramento – como elementos constitutivos do matrimónio, foi a fonte, ainda que involuntária (a expressão “contrato “era, para os canonistas, sinónimo de acordo de vontades), de toda uma era de conflitos entre o poder secular e a Igreja em matéria de casamento, até que o Papa Pio IX em 1852 afastou a expressão contrato para classificar o consenso como ato – condição – acordo e consagrou a tese da indivisibilidade entre aqueles dois elementos (COSTE-FLORET, 1935).

Quando a lei civil usou a palavra contrato, fê-lo numa tentativa de separar o acordo do sacramento e de recuperar a jurisdição sobre o casamento, que pertencia ao direito natural e ao direito canónico, reduzindo-o a um contrato civil. Foi este, para o Papa Leão XIII, o erro fundamental, origem de todos os que se lhe haviam de seguir (COSTE-FLORET, 1935).

O argumento histórico é importante: la loi ne considère le mariage que comme un contrat civil, rezou a Constituição Francesa de 1791, noção que não passou ao Code civil por se entender redundante e daí que o Code tivesse uma noção técnica implícita de casamento que não correspondia à realidade (COSTE-FLORET, 1935).

A mesma coisa aconteceu em Portugal: o Código de Seabra introduziu uma noção profana de casamento: “um contrato perpetuo feito entre duas pessoas de sexo differente, com o fim de constituirem legitimamente a família”. Os comentadores explicavam que tal definição só se podia aplicar verdadeiramente ao casamento entre não católicos; para os católicos, é essência o sacramento (CORDEIRO, 2012).

Depois da polémica introdução pelo Código de Seabra do casamento civil facultativo (FERREIRA, 1993) e da figura os revolucionários republicanos substituíram-no por um sistema de casamento civil obrigatório (SILVA, 2013). O Decreto n.º 1, de 25 de dezembro de 1910, intitula-se  “Lei do casamento como contrato civil” e, no essencial, afirma: “1.º O casamento é um contracto celebrado entre duas pessoas de sexo differente, com o fim de constituirem legitimamente a familia. 2.º Este contracto é puramente civil e presume-se perpetuo, sem prejuizo da sua dissolução por divorcio, nos termos do decreto com força de lei de 3 de novembro de 1910. 3.º Todos os portugueses celebrarão o casamento perante o respectivo official do registo civil, com as condições e pela forma estabelecidas na lei civil, e só esse é valido.

O casamento não é, segundo esta tendência de secularização, senão um contrato de direito civil.  A consequência, mais ou menos instantânea conforme os Países, foi passar-se a admitir o divórcio. Em Portugal, isso aconteceu com o Decreto de 3 de novembro de 1910 [7].

Diga o legislador o que disser, o casamento não é um contrato (PAMPLONA CORTE-REAL, 2016).

Não se negando determinadas características contratuais – a primazia da vontade, livre e esclarecida, e o acordo [8] – o casamento é uma instituição, um estado (LEITE DE CAMPOS, et al., 2016), como muitos propõem, ainda que, aceita-se, assente num contrato, i.e., gerado por um acordo de vontades inicial [9].

É, como conclui Coste-Floret no seu estudo sobre a natureza do casamento, um estado baseado num consenso, um misto de ato, estado e acordo atributivo de uma situação jurídica objetiva, de direito natural quanto às suas regras fundamentais, legal ou positiva quanto às suas regras secundárias (COSTE-FLORET, 1935) [10] [11].

Leite de Campos, na sua fundamental obra em que propõe a existência de um Direito sem direitos (LEITE DE CAMPOS, 2011) começa por afirmar que o Direito da Família é cada vez menos Direito, no sentido tradicional do conceito, i.e., imposição – sanção – coação, no sentido da existência de direitos subjetivos enquanto “expressão de poder de uma pessoa sobre a outra” e cada vez mais Justiça.

E chama a atenção para as contradições inerentes ao contrato de casamento. Se lamenta a paulatina perda do carácter contratual do casamento, porque ao menos pacta sum servanda, dá-se conta da dificuldade de “organizar um programa contratual” para todos os momentos de vida, pelo que aventa que, em substituição do modelo do contrato autoritário, se possa falar de relações de associação, duradouras, entre pessoas. Destas relações de associação seria paradigma o casamento (MACNEIL, 1977-1978) [12]

O caminho que Leite de Campos faz leva-o a defender a relação jurídica como um espaço no qual os indivíduos se estruturam em comunidade com base nas referências éticos-sociais que partilham, mas onde não existem direitos subjetivos enquanto poderes sobre outrem.

O que impede que nas relações familiares uma pessoa possa estar sujeita a outra (PAMPLONA CORTE-REAL, 2016). “A sanção vem depois e noutro plano, verificando o incumprimento e reparando o dano”.

 
  1. A reforma do regime jurídico do divórcio de 2008

O legislador, essa figura elusiva, não tem hoje em dia, particularmente no que respeita ao Direito da Família, preocupação com a unidade axiológica do sistema.

Faz-se lei com base em agendas políticas e ideológicas, para o momento atual e para o caso concreto, de forma irrefletida e precipitada e sem uma estratégia de política familiar (XAVIER, 2009) [13].

O intuito da reforma do regime jurídico do divórcio de 2008 foi declaradamente o de retomar aquilo que apelidou de “espírito renovador, aberto e moderno que marcou há quase 100 anos a I República” e de adequar “a lei do divórcio ao século XXI” e àquilo que o legislador entendeu serem as “realidades das sociedades modernas[14].  Quis-se fazê-lo adotando em Portugal o modelo de divórcio constatação da rutura [15] (COSTA, 2005) e o princípio do clean break, mas isto conduz a resultados injustos [16] para o cônjuge que não deu causa à rutura e que preferia manter o casamento (DIAS, 2009).

Substituiu-se um sistema que se considerava rígido e aleatório, o fundado na culpa, para um sistema que trata os cônjuges de forma idêntica com a mesma rigidez e aleatoriedade: despreza-se, no que respeita aos efeitos do divórcio, quer as legítimas expectativas, de ordem moral e patrimonial, que cada um colocou na relação matrimonial quer o comportamento de cada um dos cônjuges na vigência do vínculo (PINHEIRO, 2015).

Esta rigidez não foi atenuada nem pela introdução da compensação prevista no artigo 1676.º, n, º 2 (pelo seu carácter circunscrito ao dever de contribuição para os encargos da vida familiar e à renúncia excessiva à satisfação dos interesses pessoais) nem pela alteração das características do direito à indemnização previsto no artigo 1792.º.

Não aconteceu, portanto, aquilo que Guilherme de Oliveira vaticinou (e recomendou): que o Estado, ao respeitar o pluralismo [17] da sociedade [18]e ao centrar a sua intervenção na crise conjugal, o fizesse criando mecanismos de defesa do cônjuge mais fraco e de equidade [19] [20].

Por outro lado, ainda quanto aos efeitos do divórcio, a precipitação do legislador revela-se ainda na manutenção das referências à culpa na caducidade das doações para casamento e entre casados em caso de divórcio ou separação de pessoas e bens dos artigos 1760.º, n.º 1, alínea b) e número 2, e 1766.º, n.º 1, alínea c). Face ao esquecimento, estas doações não caducam, porque não há hoje declarações de culpa no divórcio, o que conduz a um resultado que o Direito não pode tolerar, até porque se as doações entre casados são livremente revogáveis em vida do doador (cf. o artigo 1765.º), as doações para casamento não o são, em regra, depois de celebrado o casamento, nem por acordo entre as partes [21].

O que exige da parte do intérprete e do aplicador uma interpretação corretiva das normas em crise: se as antigas consequências - ditas sanções (COSTA, 2005) - patrimoniais do divórcio se aplicavam ao cônjuge culpado ou principal culpado se aplicam hoje em dia a ambos os cônjuges, também as doações para casamento e entre casados, cujo regime a lei consagra (e que, quanto àquelas que são feitas mortis causa permite apenas excecionalmente [22]) em função do princípio favor matrimonii [23], têm que caducar, no que respeita a ambos, em caso de o casamento falhar ou sofrer uma modificação importante (COSTA, 2015).

A solução nem assim é perfeita, na medida em que o regime do casamento putativo dos artigos 1647.º e 1648.º é mais benéfico para o cônjuge de boa-fé do que é o atualmente o regime do divórcio e da separação para o cônjuge que não tenha dado causa ao divórcio ou à separação de pessoas e bens (PINHEIRO, 2015).

Sem que nada, a meu ver, justifique esta diferença de regimes.

Se não, vejamos: imagine-se uma situação em que a cônjuge mulher descobre, depois de anos de casamento, que o marido é, afinal, homossexual. Não tenho muitas dúvidas de que a vontade do cônjuge mulher estava viciada por erro quanto às qualidades essenciais do outro cônjuge e de que o casamento é anulável nos termos e prazos previstos nos artigos 1636.º, 1631.º, alínea b), 1641.º e 1645.º do Código. Anulado o casamento, o cônjuge mulher, de boa-fé – que se presume – pode opor ao outro cônjuge (e, como limitações, a terceiros) os benefícios do estado matrimonial: designadamente, no que nos interessa, quanto aos direitos na partilha, à conservação das doações que lhe hajam sido feitas em consideração do casamento e aos restantes benefícios decorrentes do estado de casado.

Acontece que, no entender do legislador que alterou o regime jurídico do divórcio, o cônjuge marido pode invocar a sua recém-descoberta homossexualidade em ação de divórcio (ou separação) sem o consentimento da mulher, para demonstrar que a relação matrimonial está em rutura definitiva, o que é, independentemente da culpa, fundamento de divórcio nos termos do artigo 1781.º, alínea c).

Nesta situação, decretado o divórcio, quer o cônjuge marido que, com culpa ou sem culpa, manifestamente deu causa ao divórcio, quer a cônjuge mulher que, de boa-fé, desconhecia a verdadeira orientação sexual do marido, perdem os benefícios, as doações e, sendo casados num regime de maior comunhão, não podem receber mais na partilha do que receberiam se fossem casados na comunhão de adquiridos.

Mais uma vez nos deparámos com um resultado injusto, que o Direito não pode tolerar e que eu proporia que se resolvesse através da figura do abuso de direito: o cônjuge que, com os seus comportamentos, deu causa à rutura definitiva da relação matrimonial não pode opô-la ao outro sob pena de venire contra factum proprium [24].

Mesmo a aceitar-se esta solução, o cônjuge inocente que não queira – justificadamente – arcar com as consequências patrimoniais do casamento é obrigado a manter-se numa relação comprometida até porque se, na hipótese que levantei, pode lançar mão da ação de anulação, a maior parte das vezes os factos que levam à rutura são supervenientes e o único remédio à mão é o divórcio (ou a separação de pessoas e bens, que conduz ao mesmo resultado [25]). 

 
  1. Os animais de companhia do casal são afinal bens ou seres cientes sujeitos a tutela?

Outra prova da precipitação do nosso legislador, pressionado que está pelo tempo e pela necessidade de deixar a sua marca ideológica naquilo que se usa chamar de questões fraturantes para a sociedade portuguesa, são as recentes alterações introduzidas no Direito da Família em resultado do reconhecimento de um estatuto jurídico aos animais.

A inserção da questão do acordo quanto ao destino nos animais de companhia nos processos de divórcio não foi acompanhada de mecanismos concretos de controlo por parte do Conservador ou do Juiz, conforme o divórcio siga a via administrativa ou judicial, e só com alguma imaginação é que aplicador da lei poderá concretizar as boas intenções do legislador. Os critérios estão, é verdade, consagrados no código civil: o artigo 1793.º-A na subseção “Efeitos do Divórcio”, diz: “Os animais de companhia são confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal e também o bem-estar do animal.”. O bem-estar do animal vem, afinal, em último, a comunicação com eles é difícil. Atarefa dos juízes afigura-se impossível. Não há ainda jurisprudência conhecida, mas têm vindo a público episódios anedóticos [26] que em nada servem a causa da consideração dos animais.

Também a incomunicabilidade dos animais de companhia que cada um dos cônjuges tenha ao tempo do casamento importa, por exemplo, a contrario, a possibilidade de serem bens comuns os restantes, bem como os respetivos frutos, de acordo com as regras relativas aos regimes de bens do casamento.

Não é uma boa solução: melhor seria que os animais de companhia não fossem, de todo, bens do casal, aliás em linha com a ideia de que não são coisas [27] e, embora possam ser objeto de direitos de propriedade, o proprietário tem para com os animais determinados deveres.

A propósito disto, porém, tenho na verdade ser mais clemente com o legislador do que tenho sido noutras matérias. A ideia dos deveres dos seres humanos perante os outros animais, não humanos, é relativamente nova e há que lhe conceder algum tempo de maturação.

 
  1. Da equiparação da união de facto ao casamento à equiparação do casamento à união de facto

Em 1999, Hörster [28], antecipando aquilo que veio a ser a Lei 7/2011, de 11 de maio, perguntava se Portugal devia legislar sobre a união de facto, argumentando que o legislador se devia abster de se intrometer na vida privada de quem optava por não casar e que a lei não devia estender a quem não queria casar efeitos próprios do casamento, a não ser naquilo que fosse estritamente necessário para proteção das crianças.

O legislador, é sabido, não ouviu o sábio conselho e estendeu, de facto, certos efeitos do casamento às uniões de facto, protegendo os membros em caso de dissolução da união, sobretudo por morte, qual escuteiro que, preocupado com a bom ação do dia, acaba por ajudar a atravessar a rua a senhora idosa que na verdade queria ficar no lado em que caminhava.

Na altura, em 2001, nem todos podiam casar, pelo que nessa medida se poderia perceber a necessidade de proteção, sendo certo que, no que se refere à proteção que era, de facto, necessária, a das crianças, quem não podia casar não podia adotar: as uniões de facto homossexuais estavam expressamente fora do objeto da proteção [29].

Hoje, todos podem casar (para já, só duas pessoas de cada vez, mas pouco faltará para que se regimente o poliamor) e as medidas de proteção abrangem todas as uniões de facto, hetero ou homossexuais. Unido de facto sem poder casar só está, então, quem estiver separado de pessoas e bens e aí o legislador, de forma esquizoide, permite que, em violação de um dever conjugal, o de fidelidade, que se mantém durante a separação de pessoas e bens, se constituam relações que de meramente de facto passam a jurídicas, objeto de proteção legal.

Foi a equiparação da união de facto ao casamento, em quase tudo menos no que se refere a direitos sucessórios [30].

Faltava equiparar o casamento à união de facto e assim aconteceu, em agosto do ano passado: aquele casamento no qual os nubentes, tendo escolhido ou estando sujeitos imperativamente ao regime da separação de bens, celebram um contrato sucessório no qual renunciam reciprocamente à posição sucessória do cônjuge sobrevivo, ficando sujeitos a um regime de proteção da casa de morada da família em caso de dissolução do casamento que é decalcado, quase ipsis verbis, do artigo 5.º da Lei 7/2001.

Sobre este contrato sucessório renunciativo já na altura me pronunciei [31]: o legislador criou com ele um casamento em quase tudo igual à união de facto.

 
  1. Em conclusão

Não espanta, portanto, neste contexto, que a Relação do Porto afirme que “se duas pessoas que vivem em união de facto têm toda a liberdade para a qualquer momento converter o seu relacionamento afetivo em casamento, porque não conceder a possibilidade inversa a quem esteja casado de transformar o seu relacionamento afetivo em mera união de facto, descontratualizando-o, e recorrendo para tal efeito à figura do divórcio por mútuo consentimento. Assim, o divórcio por mútuo consentimento, em que as partes não são obrigadas a revelar o motivo que as levou ao divórcio, não implica, forçosamente, uma prévia rutura da vida em comum e, a nosso ver, ele pode ser decretado mesmo quando entre ambos permaneça uma situação de vida em comum, bastando que a vontade convergente dos dois seja no sentido do divórcio.”.

O legislador tem vindo, desde o início do século, a destruir paulatinamente o casamento. Não concordo, porém, com a Relação quando defende que o movimento se faz da sociedade para o legislador. Pelo contrário, no caso do casamento, é o legislador quem vem impondo à sociedade a sua ideologia, procurando moldar a sociedade e usar, como alertou Menezes Cordeiro [32], estas questões fraturantes como instrumento de obtenção e manutenção do poder.


REFERÊNCIAS

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[1] No Proc. 306/19.5T8PRD.P1.
[2] Também (PINHEIRO, 2008), pp. 17, 29, chama a atenção para o carácter pré-jurídico e para a permeabilidade aos mecanismos sociais da realidade a que o Direito da Família respeita.
[3] Contra a ideia de que o casamento era no direito romando clássico um estado assente num consenso, vide (ALVES, 1995). Para o Autor,
"A conceção de que o casamento no Direito Romano clássico era um fato cuja persistência dependia, inclusive, do consentimento contínuo dos cônjuges se opõem objeções, tiradas de textos jurídicos e extrajurídicos do período clássico, que se m e afiguram, até logicamente, intransponíveis. Tinha razão Tamassia105 ao dizer que a construção da affectio maritalis era uma bela, mas absurda, utopia do mundo romanístico. O mesmo não ocorre com a concepção que de há muito temos por certa de que o casamento romano clássico, no tocante à vontade das partes, surgia de u m ato inicial (ato jurídico que independia de forma) e demandava, para dissolver-se, de outro ato jurídico contrário àquele (o divórcio também aformal). Essa concepção, que apenas ficou mais evidenciada nos direitos pós-clássico e justinianeu, não força o sentido dos textos jurídicos ou extrajurídicos, e se coaduna com os em que os adeptos da tese do consentimento continuado buscam arrimo, inclusive no Digesto e no Código, tanto assim que Triboniano e seus colaboradores não tiveram necessidade de alterá-los ou suprimi-los
[4] À semelhança do contrato de sociedade, do qual, aliás, o casamento era, para alguns, uma subespécie, e o conceito de affectio societatis não é estranho até ao direito societário moderno: affectio societatis, si in eadem uoluntate perseuerat, manet autem societas eo usque, donec in eodem consensu perseuerant. Para mais desenvolvimentos, ver (COSTA, 2005).
[5] Também (JUSTO, 2008) ensina que os jurisconsultos romanos não conheciam dois tipos de matrimónio, o matrimonium cum manu e o sine manu, mas um só matrimonium baseado na vontade recíproca do homem e da mulher se unirem numa relação conjugal, que existe enquanto persistir aquela vontade, e que a confarreatio, a coemptio e o usus associados ao matrimoniun cum manu não eram formas de matrimónio, antes formas ou tipos de conventio in manun.
[6] Sem prejuízo do elemento objetivo ou honor matrimonii.
[7] O Código do Registo Civil foi mais longe: iniciou uma luta clara contra o catolicismo. O artigo 8.º do Código do Registo Civil dispunha: “No dia em que entrar em vigor o presente codigo os livros do registo parochial existentes em poder dos parochos serão por estes encerrados no estado em que se encontrarem (…).” (CORDEIRO, 2012).
[8] (CARBONNIER, 2002), p. 399: mesmo não sendo o casamento um contrato, a verdade é que se aproxima de um na medida em que o acordo de vontades de pode atingir por graus ou etapas (nossa tradução livre).
[9]A imprescindibilidade de aspetos de contratualização no casamento não dispensa um quadro institucional para as relações matrimoniais” - (XAVIER, 2008), p. 68.
[10] P. 239.
[11] V. ainda (CARBONNIER, 2002), op. cit., pp. 391-397.
[12] O que distingue dos contratos de relação, na doutrina de MACNEIL, a que chama contratos de comprometimento pessoal, a longo prazo e por natureza pouco preciso, incompleto. Para MACNEIL, as relações contratuais desenvolvem-se ao longo de um espectro que varia, na terminologia por ele criada, entre as altamente relacionais – highly relational - e as quase, ou como se, discretas – as if discrete - sendo estas últimas normalmente transacionais. Todavia, para ele, nenhum contrato é totalmente discreto, na medida em que todas as relações estão ligadas e pertencem a um contexto social mais amplo, sendo possível traçar axiais entre pontos comuns ao longo de todo o espectro.
[13]Causa alguma perplexidade que se pretende transpor fenómenos sociais como os descritos {na exposição de motivos do Projeto 509/X], de sentimentalização e individualização, para a disciplina jurídica de um instituto que existe precisamente para os superar. (…). Uma união conjugal feliz dispensa qualquer lei, esta existe para intervir precisamente em situações de crise (…). Quando o amor acaba, o que a lei pode tutelar é apenas a confiança que foi depositada num projeto de vida em comum (…).” (XAVIER, 2009). 
[14] Transcrevo aqui da exposição de motivos do projeto de Lei 509/X que está na base da Lei 61/2008, de 31 de outubro,
Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=33847
[15] (PINHEIRO, 2015), p. 632, entende que o sistema português resultante da reforma de 2008 combina os modelos de divórcio constatação da rutura com o de divórcio-remédio. É verdade, na medida em que mantém a possibilidade de um dos cônjuges requerer o divórcio por alteração das faculdades mentais ou ausência do outro. Também é verdade, creio, porque o abuso de direito, sob a forma de venire contra factum proprium, limitará a possibilidade de o cônjuge que deu causa à rutura invocar tais factos contra o outro em ação de divórcio sem consentimento.
[16] Para aqueles que casaram antes da entrada em vigor da Lei 61/2008, de 31 de outubro, os resultados são totalmente imprevistos e intoleráveis, a ponto de (HÖRSTER, 2010) defender que a Lei não se pode aplicar a esses casamentos, sob pena de violação do princípio in praeteritum non vivitur. (XAVIER, 2009) defende que a norma não poderá afetar os bens que entraram no património comum até à entrada em vigor da lei.
[17] Pluralismo cultural e religioso, mas também territorial. Como ressaltam quer (PINHEIRO, 2008), p. 163, quer (XAVIER, 2008), pp. 87-90, o pluralismo jusfamiliar não conhece fronteiras, o que é tanto mais notório quanto falamos da União Europeia. Ver, a esse propósito, os relatórios da Comissão do Direito da Família Europeu em matéria de divórcio e alimentos entre ex-cônjuges, de relações patrimoniais entre os cônjuges e de responsabilidades parentais disponíveis em http://ceflonline.net/principles/, acedido em 10.04.2019.
[18] (XAVIER, 2008), p. 67-68, alerta para a necessidade de impor limites a este pluralismo. Para a Autora, se é verdade que a busca por uma regulação jusfamiliar mais justa deve ter em conta os atuais pressupostos culturais e funções sociais da Família, também é verdade que não deve “aderir a uma conceção totalmente individualista e libertária”, antes deve garantir as “as características perenes da instituição familiar”, num contexto de afirmação e reforço da dignidade da pessoa humana e da sua realização no seio familiar, privilegiando os projetos estáveis, a assunção de compromissos e a responsabilidade pelos mesmos.
[19] (OLIVEIRA), pp. 778-779.
[20] Guilherme De Oliveira e Pereira Coelho defendem, na edição mais recente do Curso de Direito da Família, que o legislador de 2008 não consagrou um sistema de divórcio repúdio ou divórcio a pedido, antes quis reforçar o regime de divórcio constatação da rutura que já existia anteriormente. V. (OLIVEIRA, et al., 2016) pp. 724 a 737.
[21] Cf. os artigos 1712.º, 1758.º, 1705.º, 1701.º e 1702.º do CC.
[22] Cf. o artigo 2028.º do CC e as normas supracitadas.
[23] Ou favor iuris de que goza o casamento, o princípio, de direito canónico, aliás transposto para o direito civil nos artigos 1627.º e 1634.º, de presunção de validade do casamento. O Para João Paulo II afirmou, em discurso proferido a 29 de Janeiro de 2004 aos componentes do Tribunal da Rota Romana a propósito da inauguração de novo ano judiciário, que “Na realidade, trata-se de um princípio que transcende enormemente a presunção de validade, dado que informa todas as normas canónicas, tanto substanciais como processuais, no que se refere ao matrimónio. Com efeito, o apoio ao matrimónio deve inspirar todas as atividades da Igreja, dos Pastores, dos fiéis e da sociedade civil, em síntese, de todas as pessoas de boa vontade. O fundamento desta atitude não é uma opção mais ou menos opinável, mas sim o apreço do bem objetivo, representado por toda a união conjugal e por cada família.”. V. a transcrição em http://www.veritatis.com.br/o-favor-iuris-de-que-goza-o-matrimonio/
[24] V. supra, nota 16. Nesse sentido, também (HÖRSTER, 2010).
[25] Cf. o artigo 1794.º do CC.
[27] Ver, para maiores desenvolvimentos, (HÖRSTER 2017), bem como o ebook do Centro de Estudos Judiciários intitulado “O Direito dos Animais” de Outubro de 2019, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_DireitoAnimais2019.pdf.
[28] (HÖRSTER, 1999).
[29] Era o artigo 7.º do, que só foi alterado em 2016. Dizia, em 2001, que “Nos termos do atual regime de adoção, constante do livro IV, título IV, do Código Civil, é reconhecido às pessoas de sexo diferente que vivam em união de facto nos termos da presente lei o direito de adoção em condições análogas às previstas no artigo 1979.º do Código Civil, sem prejuízo das disposições legais respeitantes à adoção por pessoas não casadas.”
[30] Se bem que o direito da habitar a casa de morada da família e a usar o recheio, bem como a transmissão do direito ao arrendamento, previstos no artigo 5.º da a lei 7/2001, são verdadeiros legados imperativos a favor do unido de facto sobrevivo.
[31] V. (COSTA, 2019).
[32] (CORDEIRO, 2012).
 

Eva Dias Costa 
 
* Doutora em Direito, Investigadora, Professora Universitária,  eva@upt.pt, CIÊNCIA ID 8417-D31E-2376.